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Confissões do pastor - Caio Fábio

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aplica a salvação, é prerrogativa de Deus. A Igreja tem a missão de pregar a to<strong>do</strong>s os homens e<br />

deve fazer isso porque Cristo ordenou. Mas a Igreja não limita o amor salva<strong>do</strong>r de Deus, ou seja,<br />

Deus também age — às vezes, ou até mesmo sobretu<strong>do</strong> — fora das instituições religiosas.<br />

— Eu enten<strong>do</strong> a preocupação de vocês, irmãos. Sei que to<strong>do</strong>s aqui querem que os ministros<br />

presbiterianos sejam <strong>do</strong>utrinariamente sãos. Eu também. Mas nós não estamos aqui legislan<strong>do</strong><br />

nada para a Igreja. Estamos apenas discutin<strong>do</strong> uma tese teológica. E o que o <strong>Caio</strong> Filho está<br />

defenden<strong>do</strong> pode ser um problema para mim e para você, pois parece que as nossas motivações<br />

para evangelizar dependem desse sentimento de que se nós não o fizermos o mun<strong>do</strong> se perderá.<br />

Ele diz que crê assim, mas diz também que isso não impede a Deus de aplicar a graça de Cristo,<br />

mesmo sem a presença da Igreja. Se isso fosse um problema para o <strong>Caio</strong>, ele não evangelizaria<br />

como tem feito e nem com a dedicação que to<strong>do</strong>s percebemos nele. Quem de nós aqui está<br />

evangelizan<strong>do</strong> mais <strong>do</strong> que ele, mesmo ten<strong>do</strong> convicções mais orto<strong>do</strong>xas <strong>do</strong> que as dele? —<br />

perguntou o reveren<strong>do</strong> Frank Arnold, missionário americano servin<strong>do</strong> em Manaus. Ninguém<br />

respondeu, e o assunto foi encerra<strong>do</strong> ali.<br />

Devidamente introduzi<strong>do</strong> ao espírito complica<strong>do</strong> <strong>do</strong>s concílios da religião, aceitei a<br />

ordenação. Mas quan<strong>do</strong> o dia 10 chegou, senti a mesma tremedeira que me acometeu no dia de<br />

meu casamento. Jejuei o dia to<strong>do</strong>, mas à medida que a noite chegava, eu gelava. “Senhor, será que<br />

eu serei um bom <strong>pastor</strong>? E se eu fraquejar? E se eu cometer algum ato pecaminoso e vier a<br />

desonrar o nome de Jesus? E se eu não agüentar a vida eclesiástica e suas veredas estranhas e,<br />

muitas vezes, completamente ilógicas para mim? E se algumas de minhas convicções me levarem<br />

a ficar sozinho dentro da Igreja?”, eram as questões que me aterrorizavam.<br />

— <strong>Caio</strong>zinho, eu preciso dizer algo a você. Ninguém sabe, mas dias depois de seu<br />

nascimento eu vi você no bercinho, ao pôr-de-sol, e fui toma<strong>do</strong> por um profun<strong>do</strong> e irresistível<br />

desejo de oferecer você à divindade. Mesmo sen<strong>do</strong> agnóstico naquele tempo, eu entreguei você a<br />

Deus, numa prece. Pedi para você ser <strong>pastor</strong>, mesmo não sen<strong>do</strong> protestante. Queria que você<br />

servisse a Deus, mas também tivesse esposa e filhos. Ele ouviu minha voz, mesmo quan<strong>do</strong> eu não<br />

o conhecia — papai falou, enquanto lágrimas grossas rolavam pela sua face.<br />

Ficamos abraça<strong>do</strong>s, choran<strong>do</strong> juntos. Quan<strong>do</strong> nossos rostos se separaram <strong>do</strong> abraço, minhas<br />

dúvidas tinham desapareci<strong>do</strong>. Era como se o próprio Deus tivesse vin<strong>do</strong> me abraçar e dizer: “Não<br />

foi você que me escolheu. Fui eu quem escolheu você. E eu sei o risco que eu corro colocan<strong>do</strong> o<br />

meu nome sobre a sua vida. Mas eu quero correr esse risco. Vá sem me<strong>do</strong>.”<br />

Chorei to<strong>do</strong> o tempo em que a cerimônia durou. O reveren<strong>do</strong> José Mattos Filho, que me<br />

batizara na Igreja Protestante na infância e que oficiara meu casamento, agora fora também<br />

incumbi<strong>do</strong> de dirigir o ato de ordenação. Meu pai, entretanto, disse que a exortação ao novo<br />

ministro, chamada Parenesis, ele mesmo fazia questão de pronunciar. Foi um <strong>do</strong>s momentos<br />

mais tocantes e comoventes de toda a minha existência, até hoje. À porta <strong>do</strong> templo, após a<br />

cerimônia, senti-me realiza<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> as pessoas me diziam: “Deus o abençoe, <strong>pastor</strong>.” Embora<br />

simples, eu não trocaria aquele título por nenhum outro. E, para mim, aquilo era bem mais que<br />

um título, era uma relação com a vida e com o próximo. Eu queria ser <strong>pastor</strong> de homens, e isso<br />

era tu<strong>do</strong>.<br />

Mas a ordenação ao <strong>pastor</strong>a<strong>do</strong> tornou-se uma grande tentação para mim. O meu desejo de ser<br />

chama<strong>do</strong> de <strong>pastor</strong> ou reveren<strong>do</strong> misturou-se com uma outra impressão, falsa: a de que quem<br />

quer que não me chamasse de <strong>pastor</strong> não estava reconhecen<strong>do</strong> o significa<strong>do</strong> de minha vida.<br />

— Ei, Caião. Dá uma chegada aqui — alguns jovens da igreja me chamavam com<br />

espontaneidade.<br />

De súbito, me percebi andan<strong>do</strong> no caminho da formalidade e da distância de to<strong>do</strong>s aqueles<br />

que não me chamavam de <strong>pastor</strong>. Lutei como pude contra aquilo, mas a coisa parecia ser mais

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