23.04.2013 Views

Confissões do pastor - Caio Fábio

Confissões do pastor - Caio Fábio

Confissões do pastor - Caio Fábio

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Meu tio Lucilo, que morava num pequeno quarto nos fun<strong>do</strong>s de nosso quintal e que já estava a<br />

uns quatrocentos metros de distância, voltou corren<strong>do</strong> em direção à casa ao ouvir aquele urro<br />

pavoroso. Meu pai pulou da cama, pegou automaticamente sua muleta e correu pela casa,<br />

tentan<strong>do</strong> saber de onde aquele esturro estava vin<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> ele entrou no meu quarto, a cena<br />

que viu foi chocante. Eu estava lá, num <strong>do</strong>s cantos <strong>do</strong> quarto, to<strong>do</strong> enrola<strong>do</strong>, com os olhos<br />

esbugalha<strong>do</strong>s, como quem via um espetáculo de performance demoníaca.<br />

Mas <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de dentro de meu ser, o que estava acontecen<strong>do</strong> era ainda pior <strong>do</strong> que o que os<br />

olhos de papai percebiam <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de fora. Eu fora acorda<strong>do</strong> com uma cobra grande como uma<br />

sucuri me arrochan<strong>do</strong>, enquanto também mordia meu braço esquer<strong>do</strong> e inoculava em mim um<br />

veneno mortal. De súbito, percebi que não era algo material. Na verdade, não havia uma cobra<br />

para ser vista. Fui me dan<strong>do</strong> conta de que seres diferentes habitavam dentro de mim. Não era<br />

mais o <strong>do</strong>no de mim mesmo e não estava no coman<strong>do</strong>. E aqueles seres que me possuíam eram<br />

maus, perversos e meus piores inimigos. Eles estavam ali para me matar. Não sei quanto tempo<br />

aquilo durou. Papai diz que foram apenas uns cinco minutos. Para mim, no entanto, parecia ter<br />

dura<strong>do</strong> uma eternidade. A repugnância da experiência era indescritível.<br />

Papai me olhou por algum tempo, orou a Deus e gritou com autoridade: “Eu não gerei filhos<br />

para serem morada de demônios. Eu gerei filhos para serem o santuário <strong>do</strong> Espírito Santo.” E<br />

acrescentou: “Saiam de meu filho, demônios, em nome de Jesus.”<br />

Eles — papai, mamãe e tio Lucilo — me carregaram dali para a cama de meus pais, onde<br />

<strong>do</strong>rmi até o meio-dia. Parecia que eu havia si<strong>do</strong> anestesia<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> acordei, dei-me conta de<br />

que estava em posição fetal. Era como se em meu inconsciente eu estivesse buscan<strong>do</strong> uma<br />

maneira de nascer de novo.<br />

Botar os pés para fora da cama naquela quinta-feira foi um <strong>do</strong>s maiores desafios que já<br />

enfrentei na vida. Que eu não podia mais viver como vinha viven<strong>do</strong>, não havia a menor dúvida.<br />

Existir daquele jeito tanto não valia a pena como era já a própria morte. A questão, no entanto,<br />

era: Meu Deus, o que é que está acontecen<strong>do</strong> comigo e como é que eu faço para viver como<br />

alguém que conheceu a Jesus?<br />

Quan<strong>do</strong> saí da cama, percebi que a casa toda estava em suspense. Suely e Luiz estavam por<br />

ali, fazen<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> para parecerem normais. Aninha, com seus oito anos de diferença, correu para<br />

mim, me abraçou e me beijou. Mamãe veio com jeito preocupa<strong>do</strong>, suada que estava das tarefas<br />

<strong>do</strong>mésticas, e me beijou.<br />

— <strong>Caio</strong> <strong>Fábio</strong>, teu pai disse para você não sair daqui que ele quer falar com você. Mas se você<br />

for sair, ele pediu pra você voltar aí pelas seis da tarde. Ele disse que é muito importante — disse<br />

em seguida, com lágrimas nos olhos.<br />

— Olha, mamãe, quem quer falar com ele sou eu. Diga isso a ele. Às seis da tarde eu vou<br />

estar aqui. E não se preocupe. Eu não sei o que é, mas tem alguma coisa boa acontecen<strong>do</strong> comigo<br />

— disse sereno como nunca tinha esta<strong>do</strong> antes.<br />

Comi qualquer coisa, acendi um cigarro, montei na moto e fui para uma estrada de barro que<br />

havia na periferia da cidade. Fazia aquilo com alguma regularidade. Ali, deixava a moto dentro <strong>do</strong><br />

mato e corria até não agüentar mais de cansaço. Naquele dia, no entanto, foi diferente. Quan<strong>do</strong><br />

comecei a correr, não senti mais aquela angústia estranha me impulsionan<strong>do</strong>. Havia uma coisa<br />

leve em mim. Olhei em volta e vi a graça e a beleza daquele pedaço <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, tão verde, tão cheio<br />

de aromas, tão encanta<strong>do</strong>. Chorei enquanto corria.<br />

Era como se eu estivesse me reconcilian<strong>do</strong> com a criação. O ambiente to<strong>do</strong> parecia estar<br />

recolori<strong>do</strong> e minha capacidade de perceber a respiração da floresta parecia estar mais aguçada <strong>do</strong><br />

que nunca. A trilha de barro se estendia até um igarapé, a uns três quilômetros dentro da mata.<br />

Ao ver o riacho de águas marrons, transparentes, eu chorei outra vez.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!