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Confissões do pastor - Caio Fábio

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Durante dez dias ela ficou entre a vida e a morte. Alda esteve os dez dias ao pé de sua cama.<br />

Silvia e Cintia também se revezavam durante a noite, enquanto eu cuidava <strong>do</strong>s três meninos.<br />

Enfim, nossa princesa sobreviveu. Demos graças a Deus e entendemos que havia um lin<strong>do</strong><br />

propósito divino na existência dela.<br />

Lukinhas, entretanto, começou a aprontar tu<strong>do</strong> que podia. Pegava os peixinhos vermelhos <strong>do</strong><br />

aquário, jogava no vaso sanitário e fazia caquinha em cima <strong>do</strong>s bichinhos. Às vezes os deixava lá,<br />

atola<strong>do</strong>s naqueles icebergs marrons, outras vezes, dava a descarga. Apanhava o coelhinho dele,<br />

colocava dentro da geladeira e depois perguntava: “Cadê o coelhinho?”, até que alguém o<br />

encontrasse quase morto de frio. Uma vez Alda o viu entran<strong>do</strong> pela casa com um gatinho<br />

recém-nasci<strong>do</strong> to<strong>do</strong> enfia<strong>do</strong> na boca. Freqüentemente ele pulava de cima de lugares altos,<br />

quebrava a cabeça, o queixo, rasgava-se to<strong>do</strong>. Até desaparecer de casa por quase duas horas ele<br />

conseguiu, deixan<strong>do</strong> Alda desarvorada de angústia.<br />

Tu<strong>do</strong> aquilo tinha a ver com a chegada súbita de Juju, e nós sabíamos disso. Assim,<br />

investimos tempo nele e nos concentramos na intenção de demonstrar o compromisso de nosso<br />

amor para com ele. Eu mesmo, como demonstração disso, cancelei 50% de minha agenda de<br />

1985 para dar atenção a Luke-Luke, como o chamava.<br />

Aproveitei a necessidade que estava ten<strong>do</strong> de ficar mais na cidade em função de meu filho e<br />

parti para tentar organizar a Vinde como instituição. Até o ano anterior, como eu dividia meu<br />

tempo com a igreja, não me havia sobra<strong>do</strong> uma folga para me concentrar efetivamente na<br />

intenção de fazer a Vinde crescer. Agora, entretanto, chegara a hora. Saben<strong>do</strong> que eu estava<br />

procuran<strong>do</strong> gente para trabalhar conosco, muitos se apresentaram como voluntários ou como<br />

pessoas que me garantiam já ter seu próprio sustento e que queriam apenas trabalhar ao meu<br />

la<strong>do</strong>.<br />

Poucas vezes me arrependi tanto na vida. A maioria <strong>do</strong>s voluntários eram pessoas loucas,<br />

desequilibradas, escondidas atrás da religião para disfarçar sua <strong>do</strong>ença de piedade e justificar<br />

suas esquisitices com o álibi de que eram guiadas pelo Espírito Santo, daí serem tão imprevisíveis<br />

e estranhas. Agüentei aquilo uns <strong>do</strong>is anos e então dispensei aquele tipo de ajuda para sempre.<br />

No início de 1986, voltei a viajar com mais intensidade. O problema é que, como eu já era<br />

bastante conheci<strong>do</strong> no meio evangélico, acabei me tornan<strong>do</strong> peru de festa cristã. Não parava de<br />

correr, mas meu universo foi se tornan<strong>do</strong> cada vez mais “religioso”. Falava para <strong>pastor</strong>es e líderes<br />

umas cem vezes por ano e pregava em igrejas ou cidades, mas sempre com maioria evangélica<br />

nos eventos. Em 1988 eu estava muito frustra<strong>do</strong>. De ponta a ponta <strong>do</strong> Brasil meu nome era<br />

conheci<strong>do</strong>, fosse pelos livros cristãos que escrevia em grande quantidade e que eram muito li<strong>do</strong>s,<br />

fosse pelo fato de que minha presença era obrigatória em qualquer coisa de peso que fosse<br />

acontecer no meio evangélico. Eu, entretanto, sentia saudade da vida de aventuras e desafios que<br />

vivera no início de meu ministério no Amazonas, pois, sem querer e de mo<strong>do</strong> imperceptível, a<br />

igreja havia me <strong>do</strong>mestica<strong>do</strong>. Eu corria muito, mas era uma movimentação entre os mesmos e<br />

sempre para dentro das paredes da instituição.<br />

— Você é uma unanimidade nacional — diziam-me dezenas de pessoas.<br />

— Você não pode comprar idéias e causas controvertidas — diziam-me outros.<br />

— Você tem que ser o grande concilia<strong>do</strong>r evangélico <strong>do</strong> Brasil — afirmavam, com claras<br />

intenções de me transformar em ponte política, alguns outros.<br />

Minha <strong>do</strong>r, contu<strong>do</strong>, tinha a ver com o fato de que eu não crera no evangelho por causa de<br />

nenhuma promessa de estabilidade, mas justamente em razão de seu apelo livre e revolucionário.<br />

Essas idéias todas estavam dentro de mim e eu ainda as ensinava. Na prática, entretanto,<br />

tornara-me animal de estimação da Igreja Evangélica Brasileira. E naquela condição, eu não<br />

estava disposto a viver e muito menos morrer.

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