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Confissões do pastor - Caio Fábio

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mas Ricar<strong>do</strong> e Neto continuaram lá. Como eles não tinham “escola” em Manaus, elegeram<br />

Pedro, primo deles, Curió e eu como aqueles em quem eles investiriam seus conhecimentos de<br />

artes marciais. Em troca, nós seríamos seus garotos-propaganda. Estávamos fascina<strong>do</strong>s por eles.<br />

Concentramo-nos de manhã, de tarde e de noite nos treinamentos. Queríamos nos tornar tão<br />

invulneráveis quanto eles. Não demorou e começamos a perceber que nosso progresso já se<br />

manifestava.<br />

O problema é que duas coisas paralelas estavam acontecen<strong>do</strong>. A primeira é que havia um<br />

boca<strong>do</strong> de homem na cidade com muita <strong>do</strong>r-de-cotovelo de Neto. Ele não era bonito, mas fazia<br />

um gênero muito interessante, além de ter um papo de derrubar poste. Por isso, já havia fatura<strong>do</strong><br />

algumas mulheres casadas e também estava sain<strong>do</strong> com as garotinhas mais cobiçadas de Manaus.<br />

A segunda dificuldade tinha a ver com a rivalidade que começou a surgir entre ele e o pessoal <strong>do</strong><br />

caratê. O agravante é que Alipinho, meu amigo, era <strong>do</strong> pessoal <strong>do</strong> caratê, e eles formavam a elite<br />

<strong>do</strong>minante da cidade, inclusive economicamente falan<strong>do</strong>.<br />

Não demorou muito e eu percebi que teria de tomar um parti<strong>do</strong>. As coisas estavam<br />

esquentan<strong>do</strong> e não se falava em outro assunto nos círculos sociais de Manaus a não ser no<br />

possível “confronto das artes marciais”. Foram três meses de disputa, treinos, fofocas e<br />

definições de fidelidades.<br />

Acontece que Neto era brilhante e um tremen<strong>do</strong> estrategista. Já sen<strong>do</strong> forma<strong>do</strong> em advocacia<br />

e jornalismo, via a vida com um olhar duplo. De um la<strong>do</strong>, era um homem de 24 anos, capaz de<br />

falar mais duas línguas além <strong>do</strong> português e <strong>do</strong>no de uma vasta memória histórica, pois tanto seu<br />

avô quanto seu pai eram figuras eminentes da história <strong>do</strong> Amazonas e até da vida nacional. Mas,<br />

de um outro la<strong>do</strong>, Neto ainda era um rapaz confuso, desencontra<strong>do</strong>, buscan<strong>do</strong> um senti<strong>do</strong> para a<br />

sua existência. Vestia-se como hippie e se fazia de louco, mas odiava drogas; falava como<br />

comunista e se confessava marxista-leninista, mas não podia viver sem mor<strong>do</strong>mias; con<strong>do</strong>ía-se<br />

com a <strong>do</strong>r <strong>do</strong> pobre, mas não tinha misericórdia de ninguém quan<strong>do</strong> se tratava de arrebentar<br />

quem quer que fosse no tatame ou na calçada, às vezes por quase nada; discursava sobre as<br />

causas sociais e econômicas que existiam por trás da prostituição, mas não poupava as<br />

caboclinhas jeitosas que passavam na sua frente. Enfim, ele era profundamente contraditório e,<br />

ao mesmo tempo, apaixonante e sedutor justamente por isso. Portanto, tomar o parti<strong>do</strong> de Neto<br />

foi natural. Com exceção <strong>do</strong> fato de não usar drogas, ele era tu<strong>do</strong> aquilo que eu queria ser aos 24<br />

anos de idade, se eu vivesse tanto.<br />

Sen<strong>do</strong> extremamente inteligente, Neto logo percebeu que a sua cruzada Gracie para<br />

desbancar todas as outras formas de luta não iria a lugar nenhum, se ele mesmo batesse nos<br />

caras. Ele era um deus no tatame, e to<strong>do</strong>s os demais adversários eram mortais fáceis de serem<br />

abati<strong>do</strong>s por ele. Portanto, precisava ser mais sutil. Para ele, o que estava em jogo era mais <strong>do</strong> que<br />

uma luta, era pura ideologia, pois sabia que to<strong>do</strong>s os caratecas e ju<strong>do</strong>cas da cidade eram filhos da<br />

aristocracia local e, como ele dizia, “tinha prazer em ferrar com aqueles caras”. Neto tinha a<br />

mesma história deles, mas odiava ser como eles eram: “aliena<strong>do</strong>s e sem nenhuma consciência<br />

política”. E Alipinho, para ele, era o símbolo bonito e bem vesti<strong>do</strong> de to<strong>do</strong> aquele sistema que ele<br />

odiava e que resolvera vencer não mediante golpes políticos ou ações guerrilheiras, mas no pau,<br />

no braço, na pancada, no chão, na baiana, no armlock e na chave de perna.<br />

Assim foi que Neto começou a dizer para mim e Curió que Alipinho era o ser mais fútil,<br />

frívolo, burguês e vazio que ele já conhecera. Quan<strong>do</strong> ele falou isso pela primeira vez, eu reagi e<br />

disse que não, pois imaginei que ele estava dizen<strong>do</strong> aquilo apenas porque não conhecia Pinho tão<br />

bem quanto eu.<br />

A estratégia continuou. O próximo passo foi conquistar Liliane, uma<br />

norte-americana-amazonense, mulher linda, de olhos negros profun<strong>do</strong>s e pele tão branca quanto

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