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Confissões do pastor - Caio Fábio

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ajuda. Por isto mesmo, Zezé convenceu o mari<strong>do</strong> a procurar um lugar mais distante, ainda que<br />

dentro da área metropolitana da cidade de Manaus, onde eles pudessem arranjar uma casa com<br />

quintal e espaço suficiente para que os filhos pudessem se distrair sem criar embaraços para o<br />

pai.<br />

Foi assim que encontraram um lugar que havia si<strong>do</strong> um hospital no fim <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong> e<br />

que agora estava à venda. Era uma imensa propriedade no Alto de Nazaré. O bonde chegava lá e<br />

os primeiros ônibus em circulação também faziam ali a sua volta de retorno ao centro da cidade.<br />

O casarão ia de um quarteirão ao outro. Tinha frente para a rua Japurá e ia até a rua Apurinã.<br />

Era um prédio bonito, que crescia em estilo quase piramidal, inician<strong>do</strong> com um térreo construí<strong>do</strong><br />

sobre grandes arcos, amarra<strong>do</strong>s por longos e belos trilhos de ferro, forman<strong>do</strong> um ambiente<br />

fascinante para quem quer que tivesse imaginação.<br />

Sobre aquele andar térreo, a casa se espalhava num segun<strong>do</strong> nível, forma<strong>do</strong> por salas<br />

enormes e quartos <strong>do</strong> tamanho de enfermarias de hospital, com janelas longas das quais saíam<br />

varandas de ferro. A cozinha também ficava no segun<strong>do</strong> piso. Era imensa e ao final dela, subia<br />

mais uma torre, que também funcionava como chaminé.<br />

Havia <strong>do</strong>is acessos para os andares superiores, que se tornavam cada vez menores, à medida<br />

que a pirâmide ia afinan<strong>do</strong> para o mirante, no quinto e minúsculo aposento, projeta<strong>do</strong> para fora<br />

<strong>do</strong> telha<strong>do</strong> e com janelas para os quatro cantos da casa. A vista <strong>do</strong> mirante era soberba para a<br />

época, visto que Manaus é uma cidade plana e, naquele tempo, a altura daquela antiga<br />

casa-hospital era algo para ser leva<strong>do</strong> em consideração.<br />

Nos fun<strong>do</strong>s, havia uma escada de ferro que, estreita e espiralada, ia derraman<strong>do</strong> acessos a<br />

to<strong>do</strong>s os andares. Mas no meio <strong>do</strong> prédio, começan<strong>do</strong> no porão térreo e arquea<strong>do</strong>, esgueirava-se,<br />

de mo<strong>do</strong> artisticamente sinuoso, uma das mais encanta<strong>do</strong>ras e bem torneadas escadas de<br />

madeira que alguém poderia desejar ter dentro de casa.<br />

No casarão da Japurá a moçada <strong>do</strong>s Araújos espalhou-se na vida. Ali, eles fizeram<br />

camaradagem com inúmeros meninos e meninas, que acabaram se tornan<strong>do</strong> seus amigos na vida<br />

e na morte. Os garotos subiam nas árvores <strong>do</strong> quintal e comiam mangas, jenipapos, graviolas,<br />

pitombas, pitangas, abiu, ata, biribá e ainda derrubavam coco e bebiam sua água quan<strong>do</strong> estavam<br />

com sede. Era o paraíso.<br />

Foi ali também que eles organizaram peladas de futebol em que colocavam Cainho no gol,<br />

defenden<strong>do</strong> a pequena área com sua muleta pesada. A disputa era saber quem o teria de seu la<strong>do</strong>,<br />

pois a vantagem de quem ficasse com seu passe era incomparável.<br />

O garoto da muleta ficava planta<strong>do</strong> na frente <strong>do</strong> gol, abanan<strong>do</strong> sua perna de pau no ar e<br />

convidan<strong>do</strong> os adversários para virem fazer gol dentro de sua área.<br />

— Venham, seus medrosos. Invadam minha área. Tentem meter a bola por debaixo de<br />

minhas pernas. Será que vocês não se garantem? — ele gritava com euforia.<br />

Sempre que alguém se irritava com suas impertinentes provocações e resolvia invadir a área<br />

driblan<strong>do</strong> para fazer um gol em vez de chutar de longe, geralmente se afastava reclaman<strong>do</strong> das<br />

muletadas que recebia nas canelas ou até mesmo na cabeça.<br />

— Deixem o <strong>Caio</strong> brincar. Não percam a paciência com ele e nem o deixem fora de qualquer<br />

competição — dizia vovô <strong>Fábio</strong>.<br />

Por esta razão, os irmãos mais velhos, especialmente Carlos <strong>Fábio</strong>, a quem Cainho era mais<br />

chega<strong>do</strong>, sempre o incluíam em to<strong>do</strong>s os programas, até mesmo em algumas brigas de rua.<br />

Certa vez eles se estranharam com uns garotos que moravam na baixada da rua Apurinã, uma<br />

cavidade impressionante, na qual moravam várias famílias, pois como havia água em abundância<br />

ali, era muito fácil cavar uma cacimba e abastecer a casa com água fresca e gratuita.<br />

A “turma <strong>do</strong> buraco” se encrespou com os Araújos e eles saíram no tapa. No meio da briga,

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