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Confissões do pastor - Caio Fábio

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perigoso, Zé. A gente num tem velocidade — disse um <strong>do</strong>s rapazes no banco de trás.<br />

— Que nada. Eu vou atropelar essa bicha — disse nosso destemi<strong>do</strong> motorista, partin<strong>do</strong> para<br />

o ataque. Dessa segunda vez, já nos foi possível sentir o balanço da subida e da descida de cada<br />

roda.<br />

— Hum! Que nojo, cara — eu disse, agora com mais repugnância <strong>do</strong> que me<strong>do</strong>.<br />

Depois de manobrar o carro mais uma vez, nós ficamos ali, dentro <strong>do</strong> carro, ven<strong>do</strong> aquele<br />

animal imenso descer o barranco no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> nível mais íngreme na lateral da estrada.<br />

— Vamos ver que tamanho ela tinha — disse Zé <strong>Fábio</strong>. — Ela raspou no fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> carro —<br />

ele prosseguiu — e ficou com o rabo de um la<strong>do</strong> e a cabeça <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> caminho. — Então,<br />

medimos a altura entre o Fusca e o chão, bem como a largura da estrada de um la<strong>do</strong> ao outro.<br />

— Cara, que monstro. Um palmo e meio de altura e onze metros de comprimento — meu<br />

primo concluiu. — Num vamos falar sobre isso lá em Itacoatiara pra ninguém dizer que nós<br />

estamos loucos. Tô falan<strong>do</strong> sério. Vai pegar mal — ele disse com seriedade. Concordamos to<strong>do</strong>s,<br />

mas, quan<strong>do</strong> chegamos lá, eu não resisti. Ven<strong>do</strong> um monte de meninas numa das praças, fui logo<br />

até lá venden<strong>do</strong> aventura e contan<strong>do</strong> aquela história de pesca<strong>do</strong>r.<br />

— Cê tá é muito <strong>do</strong>i<strong>do</strong>, bicho. Que foi que tu tomou, cara — me disse Tibério, um maluco<br />

da cidade que eu conhecia de outros carnavais.<br />

— Eu disse que num ia dá certo, num disse? — perguntou com um tom crítico o careta e<br />

pondera<strong>do</strong> José <strong>Fábio</strong>.<br />

A tentativa de “bom-mocismo” continuou. Mas como tinha feito muitos inimigos e também<br />

por causa <strong>do</strong> me<strong>do</strong> permanente de ser traí<strong>do</strong> por algum amigo de araque, mantinha o jiu-jítsu<br />

“em cima”, treinan<strong>do</strong> o máximo que podia com um luta<strong>do</strong>r conheci<strong>do</strong> na cidade, chama<strong>do</strong><br />

Espartacus. “Assim”, pensava, “quan<strong>do</strong> eles caírem dentro, eu vou estar prepara<strong>do</strong> pra<br />

arrebentar.”<br />

A minha decepção comigo mesmo aconteceu logo no final <strong>do</strong> primeiro mês. Era abril e eu<br />

concluía que não dava para ser normal. Os estu<strong>do</strong>s eram maçantes. Entrava na Escola Técnica<br />

Federal apenas para <strong>do</strong>rmir das 13 às 17 horas. As meninas de portão eram tediosas, chatas,<br />

insuportáveis. E as drogas eram irresistíveis, sedutoras e me faziam esquecer minha falta de<br />

senti<strong>do</strong> para viver. De repente, me vi jogan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> para o alto e partin<strong>do</strong> para aquela desgraçada<br />

forma de existência. Parecia um carma. Era como se não houvesse nenhum caminho para fora<br />

daquilo. Estava encurrala<strong>do</strong>.<br />

Até que numa noite, no início de maio, eu estava andan<strong>do</strong> de moto solitariamente, aí por volta<br />

das 22 horas, quan<strong>do</strong> vi uma mulher morena, de corpo grande e bem-feito, olhos negros<br />

profun<strong>do</strong>s e cabelos nanquim, de tão pretos que eram, desfilan<strong>do</strong> na penumbra, sem me<strong>do</strong>,<br />

provocativa e segura. Ela parecia ser adulta e madura, e eu jamais a vira antes. Percebi que houve<br />

uma certa faísca quan<strong>do</strong> nossos olhares se cruzaram. Parei imediatamente, fiz a volta e encostei<br />

na calçada, a um metro <strong>do</strong> ponto em que ela estava.<br />

— Cê é linda demais pra tá andan<strong>do</strong> sozinha aqui na Getúlio Vargas uma hora dessas. Deixa<br />

eu te levar pra casa. Eu prometo que cê vai gostar — disse com a certeza de quem sabia que,<br />

apesar dela parecer tão séria, o papo iria colar. Estava apostan<strong>do</strong> na faísca que vira nos olhos dela.<br />

Ela não disse nada. Não fez qualquer comentário positivo ou negativo. An<strong>do</strong>u solenemente na<br />

direção da moto, prendeu a saia e montou.<br />

— Me leva pra onde você quiser — disse.<br />

Fiquei abobalha<strong>do</strong> com sua resposta e, ao mesmo tempo, incendia<strong>do</strong> de desejo. Fomos para<br />

um motel recém-inaugura<strong>do</strong> nas proximidades <strong>do</strong> aeroporto Internacional de Manaus e só<br />

quan<strong>do</strong> chegamos ao quarto ela falou.<br />

— Sou noiva, vou casar no mês que vem e não quero arruinar meu futuro. Tô aqui só porque

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