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Confissões do pastor - Caio Fábio

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Capítulo 3<br />

“A leitura mu<strong>do</strong>u meus sentimentos. Alterou minhas preces, ó Senhor, para que<br />

fossem dirigidas a Ti mesmo. Os livros me deram valores e prioridades diferentes.<br />

De repente, toda a esperança vã se tornou vazia para mim e eu ansiava pela<br />

imortalidade da sabe<strong>do</strong>ria com um ar<strong>do</strong>r incrível em meu coração.”<br />

Santo Agostinho, <strong>Confissões</strong><br />

A vida na rua Sete de Setembro era divertida, porém muito apertada em seus espaços. A<br />

diversão <strong>do</strong>s meninos Renato, Carlos, <strong>Caio</strong> e Augusto, bem como <strong>do</strong>s filhos de criação que vovô<br />

sempre mantinha de quebra, era jogar bolinha de gude com esferas de aço arrancadas de<br />

rodinhas de rolimã, ou simplesmente acompanhar o movimento da rua, tentan<strong>do</strong> tirar proveito de<br />

tu<strong>do</strong> o que de engraça<strong>do</strong> pudesse acontecer na calçada: um rosto excessivamente feio, um par de<br />

pernas femininas desmesuradamente bonitas, um corpo lin<strong>do</strong> de alguma garota que, quan<strong>do</strong><br />

vista de frente, assustava pelo rosto desencontra<strong>do</strong>, fazen<strong>do</strong> o antiqüíssimo gênero Raimunda, ou<br />

o escorregão de algum rapaz que, ao tentar passar na frente <strong>do</strong> bonde, tropeçava no trilho e<br />

espalhava-se sobre o paralelepípe<strong>do</strong>. Outras vezes, ainda, eles também davam gostosas<br />

gargalhadas diante de certos velhos assanha<strong>do</strong>s, que não sossegavam ante a contemplação da<br />

juventude sedutora de alguma menina recém-entrada na idade adulta. Enfim, a televisão era a<br />

vida e suas múltiplas possibilidades de graça e desgraça.<br />

Mas esta interatividade entre o balcão <strong>do</strong> sobra<strong>do</strong> — onde os meninos ficavam fazen<strong>do</strong> suas<br />

gozações — e a calçada podia ser perigosa, pois vovô <strong>Fábio</strong> era rigorosíssimo quanto ao<br />

tratamento que esperava que seus filhos dispensassem aos que passavam em frente à sua casa.<br />

Ele não podia admitir gracinhas, gozações, galanteios, gargalhadas e outras expressões juvenis da<br />

garotada quan<strong>do</strong> percebia que isso podia constranger os transeuntes.<br />

Não que ele mesmo não risse, tempos depois, das coisas que ali aconteciam. Mas no<br />

momento em que de fato ocorriam, ele sempre pensava que as brincadeiras de seus filhos<br />

poderiam causar incômo<strong>do</strong>s irreparáveis para seus clientes ou gerar constrangimentos às<br />

pessoas, o que, para ele, era algo imper<strong>do</strong>ável. Por isto, não foram raras as vezes em que a<br />

meninada entrou no cinturão quan<strong>do</strong> flagrada em algum desses atos de humorismo de calçada,<br />

em meio a risos ou simples expressões de um prazer que delatavam alguma armação recente.<br />

Foi duro criar to<strong>do</strong>s aqueles filhos, cheios de energia, presos naquele sobra<strong>do</strong>. Além disso,<br />

havia as visitas constantes <strong>do</strong>s que vinham de Nova Vista, ainda procuran<strong>do</strong> o filho de seu<br />

Araujinho, que nunca se furtava a hospedar quem quer que necessitasse e jamais se negava a<br />

tratar de graça a to<strong>do</strong> aquele que, com <strong>do</strong>r ou desconforto físico, o buscava solicitan<strong>do</strong> alguma

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