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vice-governa<strong>do</strong>r. Alguns dizen<strong>do</strong> coisas interessantes; outros, nem tanto. Perguntei a Nilo se ele<br />
desejava falar alguma coisa. Ele disse que não. Foi aí que tomei a palavra e falei que aquela guarda<br />
estava ali não para proteger Nilo da favela, mas para protegê-lo de alguns maus policiais, <strong>do</strong>s<br />
mesmos que estavam com raiva dele por ter coloca<strong>do</strong> seus companheiros tão rapidamente na<br />
cadeia.<br />
Aí o povo aplaudiu e percebi que era a hora de passar por sobre aquele assunto e entrar na<br />
verdadeira mensagem que ali nos reunira: esperança. Como era Natal, lembrei que no advento de<br />
Cristo também houvera uma chacina: a morte <strong>do</strong>s inocentes.<br />
— Aqui, neste Natal, nós estamos próximos de um <strong>do</strong>s muitos aspectos <strong>do</strong> Natal: a tragédia.<br />
No primeiro Natal, sangue inocente também foi derrama<strong>do</strong>. Mas mesmo assim, a vida continuou.<br />
Aqui em Vigário Geral, apesar de tu<strong>do</strong>, a vida se manifestará vitoriosa. Nós estamos aqui pra dizer<br />
que Herodes pode até matar inocentes, mas nós somos daqueles que sobrevivem ao seu ódio e<br />
encontram o caminho da vida desarmada, e que realizam a paz — eu disse em meio a muitas<br />
outras coisas.<br />
Acabada a cerimônia, saí logo com Alda, Verinha e Nilo. As duas foram de carro para casa.<br />
Nilo e eu fomos de helicóptero para Bangu I. Chegan<strong>do</strong> lá, examinamos juntos to<strong>do</strong>s os sistemas<br />
da prisão: as câmeras de vigilância, as escutas e os fun<strong>do</strong>s falsos de onde cada detento é visto e<br />
ouvi<strong>do</strong>.<br />
— Teoricamente falan<strong>do</strong>, é impossível fugir daqui — comentei com Nilo.<br />
— Isso aqui é uma vergonha. É uma prisão nazista. É coisa <strong>do</strong> Moreira — disse Nilo,<br />
aludin<strong>do</strong> à construção <strong>do</strong> presídio, realizada durante o governo linha-dura de Moreira Franco, no<br />
fim da década de 80.<br />
Entramos e fomos direto para a galeria A. Depois visitamos a B. E então chegamos à C.<br />
Cantávamos com os presos e depois eu pregava uma mensagem de Natal de no máximo dez<br />
minutos. Orávamos juntos e íamos adiante. O problema era que ao final eles se amontoavam<br />
sobre Nilo com toda sorte de reivindicações e queixas sobre o sistema. To<strong>do</strong>s foram ouvi<strong>do</strong>s com<br />
extrema paciência.<br />
Na galeria C, entretanto, o clima foi diferente.<br />
— Olha gente, não é to<strong>do</strong> dia que nós temos um Natal como esse. O Dr. Nilo aqui com a<br />
gente e o nosso reveren<strong>do</strong> <strong>Caio</strong>. Vamos aproveitar bem o tempo. Por isso, antes de tu<strong>do</strong> eu quero<br />
passar às mãos de Dr. Nilo as reivindicações <strong>do</strong> nosso grupo. Ele lê em casa, depois. Aqui nós<br />
vamos nos congratular — disse Gregório, o Gor<strong>do</strong>, passan<strong>do</strong> um envelope às mãos <strong>do</strong><br />
vice-governa<strong>do</strong>r e secretário de Justiça.<br />
Como não perdemos tempo, pude me alongar bem mais em minha pregação na galeria C.<br />
— Vocês já ouviram a fábula <strong>do</strong> elefante e <strong>do</strong> escorpião? Pois bem, havia um elefante que<br />
estava atravessan<strong>do</strong> para o outro la<strong>do</strong> de um rio, quan<strong>do</strong> chegou um escorpião e pediu carona.<br />
“Tá louco? Dou nada”, disse o elefante. “Cê pode me enfiar esse ferrão nas costas.”— Mas o<br />
escorpião perguntou se o elefante não percebia que ele jamais faria aquilo. Afinal, se ele ferrasse o<br />
elefante, morreria afoga<strong>do</strong> junto com ele. Convenci<strong>do</strong> de que o amor à sobrevivência era maior<br />
que o amor ao crime, o elefante deixou o venenoso escorpião subir pelo seu rabo e acomodar-se<br />
em seu lombo. No meio <strong>do</strong> rio, no entanto, o elefante sentiu aquela <strong>do</strong>r aguda lhe penetrar a<br />
carne. “Que foi que você fez, escorpião? Assim eu morro e você morre também”, falou o<br />
agonizante elefante. “Desculpe, eu não resisti. Ferrar é minha natureza”, falou o escorpião,<br />
afundan<strong>do</strong> junto com o elefante — contei-lhes. — Muitos de vocês têm dito a mesma coisa: que<br />
vocês estão aqui porque essa é a natureza de vocês. E é mesmo. A natureza humana, de um mo<strong>do</strong><br />
geral, é cheia de perversidade e de autodestruição. Eu sou assim. A diferença é que vocês foram<br />
pegos, e eu não. É assim porque muitas vezes a gente faz aquilo que nos mata. Mas Jesus veio ao