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Confissões do pastor - Caio Fábio

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e encapuza<strong>do</strong> com um saco plástico, após o que foi vira<strong>do</strong> de cabeça para baixo e enfia<strong>do</strong> dentro<br />

d’água. A intenção alegada era fazer o rapaz falar onde estavam as armas que os policiais estavam<br />

procuran<strong>do</strong>. Repetiram tantas vezes essa “ação de convencimento”, que o moço faleceu dentro <strong>do</strong><br />

rio. O corpo foi então posto num puçá e guinda<strong>do</strong> pelo helicóptero da polícia. A multidão correu<br />

pela favela olhan<strong>do</strong> para cima, na direção onde o corpo estava sen<strong>do</strong> leva<strong>do</strong> pelo meio <strong>do</strong> céu. O<br />

helicóptero, então, parou em cima <strong>do</strong> CIEP local e, de uma altura de cerca de cinco metros, abriu<br />

a rede e deixou o corpo cair na quadra da escola.<br />

— Chegou a quicar no chão. O som foi horrível. Nunca vou esquecer — disse-me a mãe <strong>do</strong><br />

rapaz.<br />

Falei com Nilo e ele disse para eu levar as testemunhas ao palácio. Depois de ouvi-las,<br />

encaminhou-as para a Correge<strong>do</strong>ria de Polícia, onde a Dra. Marta Rocha iria interrogá-las. Eu<br />

havia aprendi<strong>do</strong> na prática, desde o outro episódio, que Marta era gente com quem nós podíamos<br />

contar. Mas quan<strong>do</strong> deixei <strong>Caio</strong> Ferraz e as testemunhas na porta da Polícia Civil, deu para ver os<br />

olhares incendia<strong>do</strong>s de ódio que recebi <strong>do</strong>s guardas <strong>do</strong> portão. Fiquei ali apenas um pouco e tive<br />

de me ausentar para o aeroporto, a fim de viajar.<br />

No dia seguinte eu estava de volta ao Rio.<br />

— Nós não ficamos lá não, <strong>pastor</strong>! — disse-me <strong>Caio</strong> Ferraz. — Os caras começaram a<br />

ameaçar a gente. Até a mulher <strong>do</strong> cafezinho disse que a gente tava fazen<strong>do</strong> besteira, que o garoto<br />

que foi afoga<strong>do</strong> pela polícia era traficante e que nós estávamos prejudican<strong>do</strong> a carreira de policiais<br />

pra defender bandi<strong>do</strong> — continuou. — Depois disso e de muitas outras ameaças, até a mãe <strong>do</strong><br />

garoto estava queren<strong>do</strong> ir embora e retirar a queixa — terminou <strong>Caio</strong> com seu estilo nervoso de<br />

quem fala mais palavras ao mesmo tempo que a maioria <strong>do</strong>s mortais que conheço.<br />

Não deu em nada. Aqueles <strong>do</strong>is episódios me ensinaram duas lições. Tínhamos tu<strong>do</strong> para ver<br />

as coisas andarem. Um governa<strong>do</strong>r humano e disposto ao sacrifício para fazer a Justiça<br />

prevalecer, um secretário de Justiça socialmente comprometi<strong>do</strong> com causas justas, uma<br />

correge<strong>do</strong>ra de Justiça amiga e bem-intencionada, mas nem assim conseguíamos ir a lugar<br />

algum.<br />

Por quê?<br />

Primeiramente porque o corporativismo da instituição policial só funciona eficientemente<br />

quan<strong>do</strong> se trata de proteger os maus-elementos dentro da corporação, mas é completamente<br />

incapaz de agir para proteger a corporação <strong>do</strong>s maus-elementos. Além disso, também ficou claro<br />

para mim que qualquer tentativa de se exercer uma política de direitos humanos que<br />

eventualmente aconteça contra membros da instituição policial, estan<strong>do</strong> esta instituição no Rio<br />

de Janeiro, será sempre entendida como ação a favor de criminosos. O clima de enfrentamento<br />

entre policiais e bandi<strong>do</strong>s ganhou tal grau de rivalidade marginal, que o espírito que prevalece já<br />

não é mais o da cidadania fardada contra a criminalidade perversa. O que se tem é apenas a<br />

guerra <strong>do</strong> nós contra eles. E quem quer que pleiteie que a nossa ação seja feita de mo<strong>do</strong><br />

diferencia<strong>do</strong> da ação deles, vai ser julga<strong>do</strong> como alguém que está <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de lá.<br />

Meu compromisso com os direitos humanos colocaram-me na pior lista em que estive em<br />

toda a minha vida: a lista negra de alguns maus policiais <strong>do</strong> Rio.

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