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Confissões do pastor - Caio Fábio

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droga. Foi só num entardecer de julho de 1969 que um amigo me serviu um basea<strong>do</strong>. Eu estava<br />

na praia de São Francisco e fiquei com me<strong>do</strong> de fumar ali. Por isso, convidei-o para ir comigo à<br />

casa de Fernandinha, ali mesmo no bairro. Eu sabia que não havia ninguém lá. Sentamos num<br />

tronco que havia no jardim e fumamos a maconha. Depois, andamos a esmo pelo bairro. Não deu<br />

onda nenhuma. Foi uma decepção. No dia seguinte, novo basea<strong>do</strong>. Que onda! Andei sem parar,<br />

sentin<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> passar sob meus pés como uma esteira rolante de aeroporto americano.<br />

Não consegui mais parar de fumar maconha. Não que aquilo viciasse, como diziam os<br />

caretas, mas é que eu já estava “psicologicamente vicia<strong>do</strong>” antes mesmo de usar aquilo. Vícios<br />

daquele tipo são, antes de tu<strong>do</strong>, necessidades existenciais de almas carentes e sedentas. Têm a<br />

ver com o desejo <strong>do</strong> eu de se projetar para outro mun<strong>do</strong>. Daí os droga<strong>do</strong>s serem quase sempre,<br />

também, pessoas com fortíssima tendência religiosa e artística. Em meu caso, a maconha e as<br />

drogas que a ela se seguiram eram apenas uma demonstração de como minha alma ansiava por<br />

transcendência.<br />

Logo estava fuman<strong>do</strong> quatro ou cinco basea<strong>do</strong>s por dia. Para me levantar da morgação que a<br />

maconha causava, os amigos começaram a aconselhar que eu tomasse umas anfetaminas<br />

argentinas. Aí era excitação o tempo to<strong>do</strong>. Junto com as drogas vieram também os coquetéis de<br />

álcool. Valia tu<strong>do</strong>. “O negócio é não perder a lucidez da loucura”, pensava. Na igreja, ninguém<br />

sabia que eu estava <strong>do</strong>i<strong>do</strong> daquele jeito. Dava uma bandeira aqui, outra ali, mas nada tão grave<br />

assim.<br />

Seis meses depois de estar usan<strong>do</strong> drogas direto, tive uma profunda crise de culpa e angústia.<br />

Achei que estava me destruin<strong>do</strong> e fiquei com me<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> um dia vi o Atum baban<strong>do</strong> de <strong>do</strong>i<strong>do</strong><br />

no banco da praça. Será que eu também ficaria daquele jeito?<br />

Nessa ocasião, o reveren<strong>do</strong> Antônio Elias chamou para pregar na igreja um jovem de Goiânia,<br />

de uns 23 anos, e que diziam já ter si<strong>do</strong> um grande “micróbio”, vicia<strong>do</strong> em to<strong>do</strong> tipo de droga<br />

possível, mas que tivera um encontro de fé com Jesus e deixara de vez todas aquelas loucuras. A<br />

propaganda foi tão grande, que fomos to<strong>do</strong>s ouvir o Zé Berto. Ele falava com uma voz rouca, que<br />

dizia ser conseqüência <strong>do</strong> uso de drogas pesadas por muito tempo, e fazia descrições incríveis.<br />

“O cara era da pesada”, dizíamos uns aos outros no jardim da igreja após os cultos. Noite após<br />

noite ele contou a mesma história. Obviamente, deixava episódios diferentes para cada noite, a<br />

fim de manter a nossa atenção. No fim de tu<strong>do</strong>, fazia um “apelo à conversão e à salvação”,<br />

pedin<strong>do</strong> que largássemos aquele mun<strong>do</strong> mau e nojento no qual estávamos crescen<strong>do</strong>.<br />

Certa noite um garoto bom de bola, filho de um líder leigo da igreja, foi à frente no “apelo” e,<br />

ao fim <strong>do</strong> culto, confessou que estava usan<strong>do</strong> drogas e fazen<strong>do</strong> muitas outras coisas erradas. Foi<br />

um choque para to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. A notícia caiu sobre mim como uma bomba não por ele estar<br />

fazen<strong>do</strong> aquilo, mas por ter ti<strong>do</strong> a coragem de confessar. Em 1969 dizer aquilo era quase como ter<br />

coragem de admitir que você tinha contraí<strong>do</strong> o vírus da AIDS num convento. Era aquele bafafá.<br />

Achei que talvez fosse a minha chance de falar também, mas pensei melhor e preferi ficar<br />

cala<strong>do</strong>. “Vou pegar carona na confissão dele e largar a droga. Mas prefiro ficar na minha para ver o<br />

que acontece”, pensei. Passamos aproximadamente cinco meses de arrebatamento espiritual.<br />

Fazíamos vigílias de orações noturnas, pregávamos na praça das barcas em Niterói, cantávamos<br />

nos cultos da igreja, visitávamos outras comunidades, dávamos testemunho de nossa conversão e<br />

empolgávamos aonde íamos.<br />

Foi naquele mesmo perío<strong>do</strong> que descobri que minha gagueira, renitente desde os meus sete<br />

anos de idade, ia e vinha, alternan<strong>do</strong>-se conforme meu esta<strong>do</strong> emocional. Mas quan<strong>do</strong> eu falava<br />

em público, como naqueles cultos juvenis em que eu lia um texto bíblico e exortava a moçada a<br />

seguir o caminho de Deus, a gagueira desaparecia completamente. E mais: o pessoal vinha a mim<br />

e dizia que eu tinha “o <strong>do</strong>m da palavra”. Eu não sabia muito bem o que era aquilo, mas percebia

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