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Confissões do pastor - Caio Fábio

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morra bandi<strong>do</strong>? — perguntou Escadinha, chegan<strong>do</strong> exatamente onde eu queria que to<strong>do</strong>s<br />

chegassem.<br />

— Das forças <strong>do</strong>s desejos malignos, Jesus liberta vocês. Mas das forças <strong>do</strong>s desejos loucos da<br />

sociedade, só vocês mesmos podem se libertar. E vocês se libertarão disso quan<strong>do</strong>, em vez de<br />

fugirem de cadeias e quebrarem correntes, vocês se assentarem aos pés de Jesus. Se vocês<br />

começarem a buscar sanidade andan<strong>do</strong> com Jesus, o Rio vai entrar em crise. E essa crise será<br />

boa, pois obrigará os cariocas a ficarem cara a cara com suas próprias loucuras e culpas. Afinal,<br />

vocês já não estarão aí pra carregar as sombras, as loucuras e as feiúras de to<strong>do</strong>s — acrescentei<br />

com força.<br />

— É, a culpa é <strong>do</strong>s caras e eles querem jogar na gente — disse um deles.<br />

— Não! A culpa é de vocês. Ou vocês estão aqui de graça? Ninguém aqui aprontou à beça pra<br />

estar aqui? É claro que sim. O que eu estou dizen<strong>do</strong> é que, além da culpa de vocês, que existe e é<br />

real, vocês também estão carregan<strong>do</strong> uma culpa coletiva, que é de muitos — afirmei com me<strong>do</strong><br />

que alguém ali achasse que eu estava alisan<strong>do</strong> a cabeça deles. Afinal, eu sabia que estava sen<strong>do</strong><br />

ouvi<strong>do</strong> e grava<strong>do</strong>.<br />

— Tá na hora, reveren<strong>do</strong> — falou o carcereiro mostran<strong>do</strong>-me o relógio.<br />

— Tá ce<strong>do</strong>, gente boa — eles responderam quase em coro.<br />

— O senhor volta quan<strong>do</strong>? — indagou Escadinha.<br />

— Semana que vem — respondi.<br />

— Aí ó, posso dá um abraço no senhor, reveren<strong>do</strong>? — indagou o famoso José Carlos <strong>do</strong>s Reis<br />

Encina.<br />

— Claro — consenti. Ele me abraçou com extrema ternura.<br />

Depois veio o Japonês. Não pediu para abraçar. Apenas abraçou com os músculos <strong>do</strong> peito<br />

retesa<strong>do</strong>s como uma tábua. Em seguida, olhou-me profundamente os olhos.<br />

— O senhor é gente boa. Vem aqui com a gente sempre, certo? — disse.<br />

Um a um, to<strong>do</strong>s fizeram questão de me abraçar.<br />

— Reveren<strong>do</strong>, num leva a mal o meu irmão, não. Ele é ruim da cabeça — falou Escadinha, se<br />

desculpan<strong>do</strong> pelas provocações de Paulo Maluco.<br />

— Fica tranqüilo. Eu tô acostuma<strong>do</strong> — falei e desapareci no labirinto de corre<strong>do</strong>res,<br />

enquanto ouvia o bater forte das portas de ferro que iam sen<strong>do</strong> irremediavelmente trancadas<br />

atrás de mim.<br />

Durante to<strong>do</strong> o ano de 1994 visitei aqueles homens quase todas as semanas. Ouvi suas<br />

histórias e contei-lhes histórias <strong>do</strong> evangelho. Orei com eles e ouvi sobre suas memórias de<br />

arrependimento. Para mim, eles deixaram de ser apenas bandi<strong>do</strong>s e passaram também a ter<br />

nome e humanidade. Alguns, eu sabia, estavam buscan<strong>do</strong> cura para a vida. Outros me recebiam<br />

bem apenas porque não havia razão para me receber mal. Eu, entretanto, perdi completamente<br />

qualquer temor deles.<br />

Depois de muitas visitas e muitas orações, tive a suprema declaração de sua simpatia para<br />

comigo.<br />

— Reveren<strong>do</strong>, eu não tenho nada além de muita coragem. Se alguma vez na vida o senhor<br />

precisar de um homem pra oferecer o peito pra levar uma bala pelo senhor, é só me chamar. Pelo<br />

senhor, eu morreria com prazer — disse Japonês numa das muitas vezes em que me despedi<br />

deles naquelas tardes de quinta-feira.

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