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Confissões do pastor - Caio Fábio

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Capítulo 36<br />

“A alma manda na proporção <strong>do</strong> querer, e enquanto não quiser, suas ordens não<br />

são executadas, porque é a vontade que dá a ordem de ser uma vontade que nada<br />

mais é que ela própria. Logo, não manda plenamente, e esta é a razão por que não<br />

faz o que manda. Porque, se estivesse em sua plenitude, não mandaria que fosse,<br />

porque já seria.”<br />

Santo Agostinho, <strong>Confissões</strong><br />

Em maio de 1984, em meio a fibrilações e muitas dúvidas sobre o caminho a seguir, eu ia<br />

entran<strong>do</strong> no escritório da Vinde, no centro de Niterói, quan<strong>do</strong> vi uma senhora que conosco<br />

trabalhava em pé na fila <strong>do</strong> eleva<strong>do</strong>r.<br />

— Bom dia, <strong>do</strong>na Mariana — saudei-a.<br />

— O dia num tá bom não <strong>pastor</strong> — respondeu ela, fugin<strong>do</strong> à sua característica de pessoa<br />

sempre muito positiva.<br />

— Mas o que houve, <strong>do</strong>na Mariana? — quis saber de pronto.<br />

— É que tem uma nenenzinha de três meses lá pertinho de casa que está morren<strong>do</strong>.<br />

Elazinha é linda <strong>pastor</strong>. Se eu já num tivesse cria<strong>do</strong> oito, eu ia pegá elazinha pra mim. Mas num<br />

dá. Tô velha e muito cansada. Mas dói o coração. Dói mais ainda porque tem uma macumbeira lá<br />

perto que disse que cria a menina, se ela for consagrada prus espírito — esclareceu a mulher de<br />

Deus.<br />

— Não entendi. Por que elazinha tá assim, aban<strong>do</strong>nada? — perguntei.<br />

— É que a mãe sumiu e o pai num quer criar. Diz que ele num sabe se é o pai. Entregaram<br />

pruma mulhé que tá crian<strong>do</strong>. Mas é pobre, coitada. Sai de manhã, dá araruta pra bichinha, e só<br />

volta de noite. À tarde tem uma menina que vai lá, dá mais comida. Mas a bichinha tá morren<strong>do</strong><br />

— falou com lágrimas nos olhos.<br />

Subimos juntos no eleva<strong>do</strong>r, absolutamente cala<strong>do</strong>s. Ela chorava. Eu me angustiava. Eu sabia<br />

que havia crianças aban<strong>do</strong>nadas por toda parte. Nós mesmos, lá na Vinde, já tínhamos um<br />

trabalho social na favela <strong>do</strong> Sabão, que Silvia e Cintia, nossas filhas-adultas <strong>do</strong> coração, tocavam<br />

com toda paixão. E eu conhecia o esta<strong>do</strong> daquelas crianças de favela. Mas é diferente quan<strong>do</strong><br />

alguém vem, mostra uma criança com endereço e diz que ela está morren<strong>do</strong>.<br />

“Ela não tem nada e já criou oito. Eu não tenho muito, mas tenho bem mais que ela, e só me<br />

arrisquei a ter meus próprios filhos”, pensei entristeci<strong>do</strong>.<br />

Entrei na minha sala, ajoelhei-me, orei e levantei com uma decisão. “Se a Alda topar, a gente<br />

pega ela agora mesmo”, pensei sem avaliar que eram nove horas da manhã e que havíamos

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