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Confissões do pastor - Caio Fábio

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Capítulo 38<br />

“Falo em memória e sei <strong>do</strong> que falo; mas de onde o sei, senão da própria memória?<br />

Acaso também ela está presente a si própria por meio de sua imagem, e não por si<br />

mesma?”<br />

Santo Agostinho, <strong>Confissões</strong><br />

Para mim, até aquele momento, o Rio de Janeiro era apenas a cidade <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> da baía de<br />

Guanabara, onde eu pegava os aviões e para onde eu ia obriga<strong>do</strong>. Os traumas da a<strong>do</strong>lescência<br />

fizeram o lugar tornar-se para mim a Cidade Tenebrosa. “Eu não quero criar meus filhos no Rio<br />

de jeito nenhum”, dizia repetidas vezes, sempre que alguém perguntava por que eu morava em<br />

Niterói.<br />

Mas havia algo mais profun<strong>do</strong> que os meus traumas da infância para me afastar da cidade de<br />

São Sebastião. Eram alguns cristãos evangélicos <strong>do</strong> Rio. Em 1981, quan<strong>do</strong> cheguei de Manaus,<br />

tive vontade de me enturmar com os líderes evangélicos da cidade. E foi fácil. Conheci muita<br />

gente boa e choveram convites de todas as igrejas, tanto das chamadas históricas, como das<br />

pentecostais e, sobretu<strong>do</strong>, das independentes, para pregações e conferências.<br />

O problema é que eu vinha de uma experiência de fé muito singela e calcada em valores<br />

bíblicos ti<strong>do</strong>s como inegociáveis. Mas quan<strong>do</strong> comecei a conhecer alguns líderes <strong>do</strong> Rio, percebi<br />

que não era em to<strong>do</strong>s que havia o mesmo espírito que meu pai me ensinara, conforme a Bíblia.<br />

— Dinheiro pra ajudar seu programa de televisão? Claro que <strong>do</strong>u. Mas você tem que me dar<br />

um recibo com o valor três vezes maior. Topa, irmão? — perguntou-me um grande empresário<br />

local, famoso por sua caridade cristã dedutível no imposto de renda.<br />

— De um outro líder a gente nunca fala nada. Nunca. Ele pode estar completamente erra<strong>do</strong>.<br />

Se levantar a voz, a gente se queima e eles continuam intocáveis — ensinou-me outro cacique,<br />

tentan<strong>do</strong> conter uma opinião que eu emitira sobre a conduta pública de uma certa celebridade<br />

evangélica.<br />

— Ele é um homem de caráter ruim, mas é um excelente comunica<strong>do</strong>r da mensagem. Então<br />

a gente deixa ele ir. Se fosse ruim de fala, é claro, já tinha si<strong>do</strong> tira<strong>do</strong> de ação — informou-me um<br />

executivo de uma instituição religiosa, para minha perplexidade.<br />

Além disso, no mesmo perío<strong>do</strong>, comecei também a ver quão estreito era o atrelamento que<br />

havia, especialmente no Rio, entre certos <strong>pastor</strong>es e o regime militar. Alguns <strong>do</strong>s figurões<br />

evangélicos locais se orgulhavam de ser amigos de generais e dita<strong>do</strong>res. “Se fosse para<br />

evangelizá-los, que deles se aproximassem — eu pensava —, tu<strong>do</strong> bem.” Mas não. Era,<br />

sobretu<strong>do</strong>, para estar perto <strong>do</strong> poder que os salvara da ameaça comunista ou lhes garantia alguns

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