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numa boa.”<br />
O sentimento de hostilidade cresceu tanto em mim, que eu não podia nem ouvir a voz de meu<br />
pai. Mas ele e minha mãe não pareciam perceber a profundidade de meus sentimentos e nem a<br />
enorme amargura que em mim crescia. Tratavam-me como se nada estivesse acontecen<strong>do</strong> e não<br />
admitiam conversar sobre a possibilidade de que eu não fosse com eles. Sen<strong>do</strong> homem<br />
extremamente gregário na sua idéia de família, papai não podia nem sequer imaginar a<br />
possibilidade de deixar um garoto de 15 anos sozinho no Rio de Janeiro, especialmente porque, lá<br />
no fun<strong>do</strong>, ele intuía que eu estava envolvi<strong>do</strong> com alguma coisa ruim ou, pelo menos,<br />
desenvolven<strong>do</strong> uma terrível propensão em direção a algo mau.<br />
Imaginei todas as possibilidades que poderiam me tirar daquele laço. Mas não havia saída.<br />
Talvez se eu simplesmente fugisse, desaparecesse, eles fossem sem mim. Mas faltava peito para<br />
fazer aquilo. Ambiguamente, eu não queria machucá-los ou tornar a vida deles miserável de<br />
angústia e tormento, o que certamente aconteceria com o meu desaparecimento.<br />
Foi quan<strong>do</strong> me surgiu uma perversa idéia, enquanto eu conversava com um amigo, a quem<br />
chamávamos de Pingüim.<br />
— Ei, cara, o que você acha que poderia forçar teu pai a deixar você aqui? Se você quiser<br />
ficar, tem que ser porque ele fez você ficar — disse Pingüim.<br />
Fiquei ali, pensan<strong>do</strong> na declaração dele, com a cabeça rodan<strong>do</strong> de maconha, até que tive um<br />
estalo.<br />
— Já sei. Vou engravidar a filha de um grande amigo dele. Assim, ele vai me forçar a ficar.<br />
Aquele papo dele de responsabilidade vai ser minha saída. Se a Fernandinha ficar grávida, ele vai<br />
até me pagar para ficar, mesmo que eu queira ir — gritei.<br />
O problema era que, conquanto eu tivesse uma vida bem desregrada em muitas áreas e nunca<br />
perdesse a chance de faturar as garotinhas que passassem pelo meu caminho dan<strong>do</strong> sopa, com<br />
Fernandinha não era assim. Ela era apaixonada por mim e eu por ela, mas seus princípios<br />
familiares, morais e religiosos nunca haviam permiti<strong>do</strong> que ela fosse longe demais no namoro.<br />
Achei, entretanto, que conversar com ela e propor aquela solução não seria mal. Como ela<br />
também não queria que eu fosse e estava sofren<strong>do</strong> com a decisão de meus pais, talvez a coisa<br />
pudesse dar certo. Encontrei com ela muito louco, fiz uma grande introdução, chorei, sofri, falei<br />
de como aquela separação poderia nos afastar para sempre e outras coisas. Ela chorou, me<br />
abraçou com carinho e me olhou com imensa ternura. Os sinais exteriores eram anima<strong>do</strong>res.<br />
Expus meu plano to<strong>do</strong>.<br />
Fernandinha era ainda uma criança. Tinha acaba<strong>do</strong> de completar 14 anos. Apesar de já ter<br />
corpo de mulher, muito bonito e deseja<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s os meus amigos e inimigos, por dentro ela<br />
ainda era uma menininha. Tanto que meus amigos me acusavam de ter vira<strong>do</strong> um “papa-anjo”<br />
por causa de meu namoro com aquela garotinha. Mas eu não estava nem aí. Gostava dela e sabia<br />
que to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> a achava linda. Era só uma questão de tempo e eles veriam o meu anjinho se<br />
mostrar com a força incontrolável de uma amazona. Eu pagava para ver e, enquanto esperava,<br />
curtia.<br />
Ela me ouviu com mais seriedade <strong>do</strong> que eu havia imagina<strong>do</strong>. Ficou agitada com minha<br />
proposta, mas não a rejeitou de saída. Pediu tempo para pensar, e eu fiquei dan<strong>do</strong> a decisão dela<br />
de participar <strong>do</strong> plano como certa. Por isso, mergulhei num mun<strong>do</strong> de fantasias e imaginei a<br />
seqüência <strong>do</strong>s fatos. Ela ficaria grávida, a barriguinha iria crescer, seus pais ficariam saben<strong>do</strong>,<br />
meus pais — muito amigos deles — seriam comunica<strong>do</strong>s e decidiriam casar-nos em nome da<br />
honra. Assim é que nos casaríamos e iríamos morar na casa <strong>do</strong>s pais dela. O resto, eu imaginava,<br />
seria o paraíso: comen<strong>do</strong> na casa dela, in<strong>do</strong> à praia com a gatinha e o neném, fuman<strong>do</strong> maconha<br />
sem maiores riscos e continuan<strong>do</strong> os estu<strong>do</strong>s no Colégio Batista, onde eu sabia que passar de ano