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ficar com raiva.<br />
— <strong>Caio</strong> de Bossa? É esse o seu nome, cabelu<strong>do</strong>? — nova gargalhada.<br />
— Não, minha senhora. Não é <strong>Caio</strong> de Bossa, não. É <strong>Caio</strong> de Boca; pergunte às meninas<br />
aqui. Elas sabem que meu nome é <strong>Caio</strong> de Boca — respondi lamben<strong>do</strong> os lábios, curtin<strong>do</strong> o gosto<br />
de minha vingança.<br />
Ninguém riu. Houve silêncio. A mulher maluca ficou me fitan<strong>do</strong> com surpresa durante uns<br />
três a cinco longos segun<strong>do</strong>s, e caiu na gargalhada. Foi só então que os demais bobos da corte<br />
riram também, sem graça.<br />
— Gostei de você seu <strong>Caio</strong> de Boca. Pode entrar. Mas num me apronta, tá? Cê é <strong>do</strong>idão, mas<br />
é sincero — ela completou, para perplexidade de to<strong>do</strong>s. Mas a surpresa maior é que a baiana era<br />
<strong>do</strong>na Rose, mãe de Alda. Então, entrei.<br />
Não conhecia a to<strong>do</strong>s, mas era conheci<strong>do</strong> pela maioria <strong>do</strong>s rapazes e moças que estavam ali.<br />
Entretanto, ninguém falava comigo. To<strong>do</strong>s me admiravam e me odiavam. E eu ignorava o ódio<br />
deles, mostran<strong>do</strong> minha total independência de movimentos, e, ao mesmo tempo, tirava proveito<br />
da admiração que sabia que eles tinham por mim. Gargalhava sozinho, como se estivesse<br />
bem-acompanha<strong>do</strong>, dançava ao som das músicas que me arrebatavam a alma, mesmo que não<br />
estivessem sen<strong>do</strong> tocadas, e via a minha solidão autônoma ser <strong>do</strong>na <strong>do</strong> ambiente daquelas pessoas<br />
inseguras e incapazes de acreditar em sua própria liberdade de ser.<br />
Foi só depois de alguns minutos que vi a menina da casa conversan<strong>do</strong> com um atleta de<br />
plantão. Aproximei-me e peguei seu braço.<br />
— Meu irmão, cê já conversou às pampas. Deixa eu bater papo com ela só um pouquinho! —<br />
disse eu ao rapaz, que nada respondeu. Apenas olhou para Alda e percebeu um consentimento no<br />
olhar da garota. Então perguntei a ela a que horas aquele circo estaria termina<strong>do</strong>.<br />
— Aí pela meia-noite — respondeu.<br />
— Então, à meia-noite fica na varanda que eu volto para te ver — disse eu, largan<strong>do</strong>-a no<br />
meio <strong>do</strong> salão e in<strong>do</strong> embora.<br />
À meia-noite eu voltei. Ela estava lá, em pé, ansiosamente me esperan<strong>do</strong>. Falamos cinco<br />
minutos e ela me disse que no dia seguinte iria a uma festa na casa de uma amiga. No <strong>do</strong>mingo eu<br />
estava na mesma festa. Dançamos e nos beijamos. Na segunda-feira, peguei-a na escola no meio<br />
da tarde e levei-a para a floresta, para as margens sedutoras de um igarapé. Choveu copiosamente<br />
sobre nós enquanto nos deliciávamos na liberdade da solidão que as matas amazônicas<br />
emprestam a qualquer um que as visite. Levei-a de volta um pouco antes de seu chofer chegar<br />
para buscá-la na escola. Ela estava toda ensopada, mas feliz e apaixonada. Eu, entretanto, sentia<br />
por ela algo estranho. Não era nada avassala<strong>do</strong>r, mas era forte, e me dava a sensação de ser algo<br />
amigo, constante e sincero.<br />
Nas semanas seguintes saí com ela to<strong>do</strong>s os dias. Íamos juntos para a floresta. Ela não fumava<br />
maconha com regularidade, mas não rejeitava um tapa ou outro sempre que eu oferecia. Piano,<br />
desenho e poesia eram as suas paixões. Amava arte e falar de coisas místicas. Dizia que sentia as<br />
vibrações <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> espiritual e não se constrangia em dizer que sabia ler mãos. Afirmava que<br />
uma cigana a ensinara e que se tratava de uma “ciência precisa”. Eu não acreditava em nada<br />
daquilo, mas curtia a inocência <strong>do</strong>s seus 16 aninhos. Estava a caminho <strong>do</strong>s 19 anos, mas me sentia<br />
como se fosse muitos, muitos anos mais velho <strong>do</strong> que ela.<br />
Estar com Alda era diferente e eu me sentia bem. Passaram-se <strong>do</strong>is meses e nós continuamos<br />
a sair juntos. Entretanto, eu a tratava com um carinho e um respeito que eu jamais dispensara a<br />
nenhuma outra menina ou mulher antes, em minha curta, porém intensiva vida amorosa. Mas<br />
apesar de tu<strong>do</strong>, eu não estava feliz. O problema, no entanto, não estava nela, mas em mim, pois<br />
minhas angústias interiores não cessavam.