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Confissões do pastor - Caio Fábio

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Passamos a receber até mil e oitocentas chamadas por dia, das oito da manhã à meia-noite.<br />

Tive de pedir ajuda a to<strong>do</strong>s os <strong>pastor</strong>es da cidade. E a maioria veio nos ajudar fazen<strong>do</strong><br />

aconselhamento ao vivo, via telefone, inclusive o decano evangélico local, <strong>pastor</strong> Alcebiades<br />

Vasconcelos, líder das Assembléias de Deus.<br />

Em conseqüência daquela ação de evangelização e genuíno marketing cristão, milhares de<br />

pessoas passaram a se converter por mês e dezenas de igrejas cresceram.<br />

Naqueles dias, contu<strong>do</strong>, apareceu em Manaus um missionário que mantinha um estranho<br />

estilo de pregação e se utilizava de méto<strong>do</strong>s que nos pareciam completamente mercenários. Nós<br />

estávamos ali, trabalhan<strong>do</strong> de graça de dia e de noite, servin<strong>do</strong> às pessoas com o coração e sem<br />

outros interesses a não ser agradar a Deus. Mas aquele missionário, Ivonil<strong>do</strong>, parecia ter outras<br />

motivações. O negócio dele era grana. No rádio, a auto-apresentação que fazia era esta: “Chegou<br />

aquele que já curou milhões. Seu nome é Ivonil<strong>do</strong>. O homem a quem o diabo obedece. Venha<br />

conhecer o poderoso missionário Ivonil<strong>do</strong>. O homem <strong>do</strong> poder.” Ele usava voz grossa, empostada,<br />

cavernosa, imitan<strong>do</strong> Deus, e se apresentava como ninguém na Bíblia jamais se auto-apresentara.<br />

Aliás, na minha percepção, as Escrituras não apresentavam nem mesmo a Jesus daquela forma<br />

tão artificial e exaltada.<br />

Conquistávamos o respeito das pessoas de um la<strong>do</strong>, e ele punha tu<strong>do</strong> a perder de outro.<br />

Fazíamos o possível para que a cidade percebesse nosso total desinteresse por dinheiro e nossa<br />

paixão por pessoas. Ele, todavia, cobrava para fazer visitas e até mesmo estipulava o preço de<br />

certas orações. Além disso, depois de explorar as pessoas com todas as formas de misticismos e<br />

superstições pretensamente associadas ao evangelho, ele pedia dinheiro por perío<strong>do</strong>s de até<br />

quarenta minutos segui<strong>do</strong>s. “Se vocês não derem a Deus, Deus não dará nada a vocês”, decretava<br />

ele, estabelecen<strong>do</strong> o sistema monetário como a moeda de troca na compra e venda de bênçãos, as<br />

quais o genuíno cristianismo afirma serem gratuitas.<br />

Do alto apenas de meus seis anos de experiência cristã, resolvi que alguém tinha de peitar<br />

aquele homem, e se ninguém mais experiente e autoriza<strong>do</strong> tivesse coragem para fazê-lo, eu<br />

mesmo o faria.<br />

— Irmãos, não dá. Esse homem está destruin<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> o que nós estamos construin<strong>do</strong> com<br />

lágrimas e amor. Alguém tem que falar — eu dizia em reuniões de <strong>pastor</strong>es.<br />

— Mas, irmão, tá certo que o que ele diz e faz não está de acor<strong>do</strong> com o ensino bíblico. Mas<br />

ele fala em nome de Jesus e muitos aceitam a Cristo. Não podemos impedir — era o que sempre<br />

ouvia da maioria <strong>do</strong>s meus colegas <strong>pastor</strong>es.<br />

— Tá certo que não podemos impedir. Mas podemos advertir. Só porque ele usa o nome de<br />

Jesus, o que ele faz não fica certo. O nome de Jesus cabe em qualquer lugar. Esse homem ganha<br />

uns e afugenta milhares — eu falava, inamovível na minha disposição de não permitir que o<br />

evangelho virasse merca<strong>do</strong>ria para camelôs religiosos.<br />

Como ninguém quis ir, fui à luta sozinho. Comecei a falar em público que as práticas de<br />

Ivonil<strong>do</strong> não eram cristãs. Mas ao final, sempre orava por ele e pedia a Deus que o ajudasse a<br />

pregar o evangelho com genuinidade. A mídia de Manaus soube e começou a me procurar para<br />

discutir o assunto.<br />

— Esse missionário é ou não é de Deus? — era a hipersimplificação a que chegavam.<br />

— Eu não sou Deus e nem secretário de Deus — dizia eu. — Além disso, não estou julgan<strong>do</strong><br />

o homem Ivonil<strong>do</strong>, mas suas práticas. O homem, só Deus pode julgar. Mas as práticas, cabe a nós<br />

discernir. E o que ele está fazen<strong>do</strong> não é cristão. Leia os evangelhos e veja se você encontra<br />

espaço para as coisas que ele está fazen<strong>do</strong> em nome de Cristo? — respondi inúmeras vezes no<br />

rádio e especialmente nos jornais.<br />

Até que um dia encontrei Ivonil<strong>do</strong> num banco. O gerente era membro de nossa igreja e o

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