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Confissões do pastor - Caio Fábio

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deve saber por que a sua imagem é tão distorcida. Por que você não começa a chamar os<br />

evangélicos pra conversar com você? — sugeri.<br />

— Você não pode fazer isso pra mim? — perguntou.<br />

— Se eu fizer isso, vão pensar que estou fazen<strong>do</strong> campanha política. E não é o caso. Mas<br />

posso passar pra você o nome <strong>do</strong>s líderes evangélicos mais estratégicos em to<strong>do</strong> o Brasil, e você<br />

pessoalmente pode abordá-los.<br />

— Olha, sabe o que foi que me atraiu em você? Quan<strong>do</strong> eu vi você falar naquele dia e depois<br />

fazer aquela prece a Deus, eu fiquei pensan<strong>do</strong>: “Quan<strong>do</strong> ele falou sobre o Brasil, falou como<br />

quem conhece esse país, mas quan<strong>do</strong> fechou os olhos e falou com Deus, falou como quem<br />

conhece a Deus.” Olha, eu conheço muita gente que conhece o Brasil, mas que não fala com<br />

Deus daquele jeito. E conheço um monte de gente que me diz que conhece a Deus, mas que não<br />

entende o Brasil daquele jeito. Foi isso que me chamou a atenção em você. Acho uma pena que<br />

você seja conheci<strong>do</strong> só entre os evangélicos. Você tinha que ser uma figura nacional — ele me<br />

falou com muito carinho. — Você se importaria se eu recomendasse você pra falar sobre<br />

cidadania fora da igreja? — indagou.<br />

Respondi que seria um prazer, mas que eu já corria muito por to<strong>do</strong> o Brasil. Pouco depois<br />

daquilo, Rubem César Fernandes estava ao telefone para me dizer que Herbert de Souza, o<br />

Betinho, em franco processo de canonização social, estava me convidan<strong>do</strong> para uma reunião por<br />

causa de uma recomendação de Lula. Não demorou, e eu estava no Palácio <strong>do</strong> Planalto, junto com<br />

uma fantástica constelação de celebridades, guinda<strong>do</strong> à posição de membro <strong>do</strong> Conselho de<br />

Segurança Alimentar da Presidência da República.<br />

Na volta para casa, vim conversan<strong>do</strong> com Betinho, a quem alguns chamavam de o santo ateu.<br />

Falamos de tu<strong>do</strong> e também de Deus. Descobri então que o ateísmo de Betinho não era filosófico,<br />

mas apenas psicológico, como o da maioria das pessoas que assim se assumem. Tinha a ver<br />

apenas com seus traumas infantis e fora o conselho de um analista que fizera Betinho sossegar<br />

sua atormentada alma católica, esquecen<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> Deus e <strong>do</strong> Jesus que ele aprendera dentro das<br />

paredes da religião.<br />

Voltei com a corda toda. Criei imediatamente uma organização chamada Atitude &<br />

Solidariedade. Conversei com Eduar<strong>do</strong> Men<strong>do</strong>nça, <strong>do</strong>no de uma empresa de ônibus, e ele<br />

colocou à minha disposição um de seus 32 ônibus, para que nele servíssemos sopa todas as noites<br />

para cerca de mil mendigos que <strong>do</strong>rmiam nas marquises <strong>do</strong> centro de Niterói. Dei um monte de<br />

entrevistas para jornais, revistas, rádios e televisões e senti que minha vida estava enfim sain<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

terreno da religião e entran<strong>do</strong> no mun<strong>do</strong> mais amplo, que em Manaus eu conhecera muito bem,<br />

mas que desde a minha mudança para o Rio, em 1981, havia fica<strong>do</strong> para trás.<br />

Naquele agosto de 1993 algo horrível aconteceria em Vigário Geral, uma das mais de<br />

seiscentas áreas faveladas da Cidade Maravilhosa: 21 pessoas foram mortas, entre elas oito<br />

membros de uma família de evangélicos.<br />

Eu estava no meio de uma reunião de negócios quan<strong>do</strong> os jornais foram postos na minha<br />

frente, com aquela terrível foto <strong>do</strong>s corpos enfileira<strong>do</strong>s em seus caixões no chão de terra da favela.<br />

Tão logo fiquei saben<strong>do</strong> da história da família de evangélicos, peguei uma câmera de nosso<br />

estúdio e corri para lá. Gravei um programa em Vigário Geral e coloquei-o no ar no sába<strong>do</strong><br />

seguinte. Foi uma hora de <strong>do</strong>cumento apaixona<strong>do</strong> sobre a situação de insegurança <strong>do</strong>s que vivem<br />

na favela, entre o poder arbitrário, perverso e esmaga<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s traficantes de drogas e as ações<br />

violentas, desrespeitosas e, muitas vezes, homicidas de certos policiais.<br />

— Tem um repórter <strong>do</strong> jornal O Globo, chama<strong>do</strong> Otávio Guedes, que quer fazer uma<br />

entrevista com o senhor. Marco ou não? — indagou Cristina.<br />

Otávio chegou com uma carinha de menino, mas no meio da entrevista percebi sua

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