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Confissões do pastor - Caio Fábio

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fora embora e nunca mais voltara? Mas lá no fun<strong>do</strong> Zezé sabia que havia encontra<strong>do</strong> o homem<br />

mais honra<strong>do</strong> que jamais conhecera, e que ele não a enganaria.<br />

Esperou seis anos, alimentan<strong>do</strong> seu amor apenas com memórias e cartas, até que no fim <strong>do</strong><br />

ano de 1917, pon<strong>do</strong> termo a um perío<strong>do</strong> de pura e insólita esperança, Zezé viu o navio aportar em<br />

Salva<strong>do</strong>r e dele desembarcar um João <strong>Fábio</strong> seis anos mais velho, porém absolutamente intacto<br />

em seus motivos, sentimentos e compromissos.<br />

Casaram-se no fim daquele ano, foram juntos para Manaus e, de lá, acabaram dirigin<strong>do</strong>-se a<br />

Canutama, para o seringal Nova Vista, cuja propriedade vieram a adquirir no ano seguinte.<br />

A vida no seringal foi cheia de <strong>do</strong>r e dramaticamente marcada pela solidariedade aos<br />

habitantes <strong>do</strong> lugar. Lá lhes nasceram dez filhos, mas três deles morreram ainda na infância. José<br />

e Edgar partiram ainda em idades bem tenras, mas a <strong>do</strong>r da morte de Luís Ricar<strong>do</strong> foi profundíssima.<br />

Todas as histórias sobre Luís contam de um rapaz bonito, forte e extremamente sensível,<br />

que nascera de um parto gêmeo com Elvira. Eles eram os mais velhos <strong>do</strong>s dez filhos. Mas em<br />

1931, quan<strong>do</strong> estavam com 12 anos, Elvira e Luís acompanharam o pai numa viagem a Manaus,<br />

durante a qual o garoto foi atingi<strong>do</strong> por uma horrível febre e morreu ao chegar à casa de uns<br />

amigos, deixan<strong>do</strong> um imenso rombo emocional no coração de seus pais e irmãos.<br />

De volta ao interior, o magoa<strong>do</strong> e abati<strong>do</strong> João <strong>Fábio</strong> não esmoreceu ante a perda <strong>do</strong> filho.<br />

Mesmo com muita <strong>do</strong>r na alma, entregou-se à atividade que ele iniciara quan<strong>do</strong> chegara da Bahia,<br />

em 1912, forma<strong>do</strong> em farmácia. Muito mais <strong>do</strong> que gerir o seringal, João <strong>Fábio</strong> dava-se inteira e<br />

gratuitamente ao cuida<strong>do</strong> <strong>do</strong>s pobres e miseráveis que viviam naquela região.<br />

Sua fama como homem solidário e generoso vive até hoje.<br />

Milhares foram aqueles que o procuraram vin<strong>do</strong> de lugares remotos, viajan<strong>do</strong> dias sobre uma<br />

estreita canoa, a fim de buscar ajuda médica e alívio para suas <strong>do</strong>res, febres, feridas, angústias e<br />

me<strong>do</strong>s.<br />

A força de sua vida foi tão significativa, que seu professor na faculdade de direito, na qual ele<br />

viria a se matricular em 1933 e a concluir em 1937, Ramayana de Chevalier, chegou a descrever<br />

com palavras míticas o seu curriculum social, texto transcrito no álbum de nossa família.<br />

Era o dia 4 de dezembro de 1926 quan<strong>do</strong> nasceu meu pai, <strong>Caio</strong> <strong>Fábio</strong> D’Araújo, na cidade de<br />

Canutama, no interior <strong>do</strong> Amazonas.<br />

Vovô <strong>Fábio</strong> foi registrá-lo com o nome da família Araújo. Orgulhoso, falou o nome <strong>do</strong> menino,<br />

certo de ter evoca<strong>do</strong> um grande significa<strong>do</strong> latino para acompanhar aquele ser humano para o<br />

resto da vida: <strong>Caio</strong>, em latim, significa bordão, caja<strong>do</strong> ou alegria. Ele se apegou ao último<br />

significa<strong>do</strong> e desejou, de to<strong>do</strong> o coração, que seu oitavo filho fosse um ser humano que trouxesse<br />

felicidade a este mun<strong>do</strong>.<br />

Enquanto ele se perdia em delírios de felicidade paterna, o escrivão cometia um engano<br />

ortográfico que acabaria crian<strong>do</strong> uma cômica, porém interessante mudança na grafia <strong>do</strong> nome de<br />

minha família: trocou o “de Araújo” por um inexplicável “D’Araújo”.<br />

Apesar de ser um erro, vovô <strong>Fábio</strong> decidiu conservá-lo, como que profeticamente perceben<strong>do</strong><br />

que aquele seu filho viera ao mun<strong>do</strong> marca<strong>do</strong> por estranhas intenções divinas que o fariam<br />

escolher caminhos de trajetórias intensas e radicais para percorrer.<br />

Cainho, como logo passaram a chamá-lo carinhosamente em família, viveu de mo<strong>do</strong> mais que<br />

normal o primeiro ano de sua vida. João <strong>Fábio</strong>, sempre sério, porém muito meigo com os filhos,<br />

não hesitava em manifestar uma especial atração pelo menino. Filhos e filhas não lhe faltavam e<br />

ele devotava algum tipo de expressão diferenciada por to<strong>do</strong>s, deixan<strong>do</strong>, entretanto, que essas<br />

diferenças existissem como segre<strong>do</strong> entre ele e cada criança. Talvez seja por essa razão que,<br />

mesmo hoje, os filhos que ainda estão vivos falem <strong>do</strong> pai como se fossem filhos únicos. Do

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