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Confissões do pastor - Caio Fábio

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Para complicar ainda mais as coisas, nós conhecemos um hippie que posava de mestre<br />

oriental e estava sempre atrás da gente. Ele era alto, branco e calvo na frente, embora tivesse um<br />

longo cabelo liso, que se esparramava sobre suas costas. Sua barba era <strong>do</strong> tipo sacer<strong>do</strong>tal antigo:<br />

longa, espessa e totalmente desencontrada, com fiapos isola<strong>do</strong>s que vinham até a altura da<br />

barriga. Carlos falava de coisas místicas o tempo to<strong>do</strong> e nos prometia o encontro com o sagra<strong>do</strong><br />

pelas drogas, pela ecologia e pela meditação. Aldinha estava empolgada. Eu, entretanto, não<br />

agüentava mais aquele papo. Havia dias em que a voz dele me irritava tanto, que eu sentia vontade<br />

de amassar a cara <strong>do</strong> guru.<br />

O céu foi fican<strong>do</strong> blinda<strong>do</strong>. O ar faltava. Minha respiração começou a ficar difícil. A atmosfera<br />

parecia estar baixan<strong>do</strong> e colocan<strong>do</strong> uma pressão insuportável sobre a minha cabeça. O mun<strong>do</strong> se<br />

descoloria bem diante de meus olhos. A experiência <strong>do</strong> riso tornou-se um tormento<br />

<strong>do</strong>loridíssimo e a gargalhada me rasgava a alma, como se nela houvesse uma adaga que golpeasse<br />

meu interior. Assim, desejei a morte com força e profundidade.<br />

Aos dezoito anos e alguns meses eu estava existencialmente velho e cansa<strong>do</strong>. À semelhança de<br />

meu bisavô Araujinho, decidi que era tempo de partir. Só que ele vivera até os 104 anos para poder<br />

tomar aquela decisão, e eu, aos 18, já não agüentava mais existir.<br />

Quan<strong>do</strong> chegamos ao fim de julho, Alda e eu estávamos na iminência de terminar nossa<br />

relação. Ela me amava, mas não agüentava mais tanta loucura. E eu, de minha parte, sentia<br />

profunda ternura por ela, mas não conseguia ficar ao la<strong>do</strong> de ninguém. Queria a estabilidade<br />

amiga e serena que ela, apesar de tão menina, me oferecia, mas me apavorava com minha quase<br />

total incapacidade de aceitar os termos da normalidade de qualquer projeto de vida. Havia uma<br />

jibóia dentro de mim, faminta, insaciável, comen<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os elementos de minha alma. Um de<br />

nós tinha de morrer: era ela, a jibóia, ou eu. Nós <strong>do</strong>is juntos não podíamos dividir o mesmo<br />

espaço: minha alma.<br />

Nos dias que se seguiram voltei a ser persegui<strong>do</strong> pela árvore sagrada da casa da vovó. Voltei<br />

ao lugar da infância, ao pôr-<strong>do</strong>-sol. Olhei a velha mangueira e chorei. “O que é isso, meu Deus?<br />

Que saudade é essa que me mata, que me atormenta?”, perguntei a ninguém. Mas a presença de<br />

ninguém me atormentava. Ninguém estava ali, sem dúvida.<br />

A certeza da presença de ninguém me confundia, me desesperava. Saí alucina<strong>do</strong>, com a alma<br />

tomada por prantos de morte. Eu estava de luto por mim mesmo. Fui até à casa de Aldinha,<br />

chamei-a ao portão, abracei-a, beijei-a, despedi-me dela.<br />

— Adeus, te cuida — disse enquanto sentava na moto.<br />

— Que é isso? Que qui cê tá fazen<strong>do</strong>? — perguntou com lágrimas nos olhos.<br />

— Eu estou in<strong>do</strong> encontrar a morte. Hoje é certo. Nem ela vai fugir de mim e nem eu vou<br />

fugir dela — arranquei com a moto e sumi atrás <strong>do</strong> posto de gasolina que impedia sua visão da rua<br />

que tomei.

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