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Confissões do pastor - Caio Fábio

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Capítulo 44<br />

“Quan<strong>do</strong> Deus manda algo contra os costumes ou pactos, sejam eles quais forem,<br />

deve ser obedeci<strong>do</strong>, embora o que mande nunca tenha si<strong>do</strong> feito antes; e se se<br />

deixou de fazer, deve ser restaura<strong>do</strong>, e se não estava estabeleci<strong>do</strong>, deve ser<br />

estabeleci<strong>do</strong>.”<br />

Santo Agostinho, <strong>Confissões</strong><br />

Parazão não conversa. Parazão mata, era o que dizia a placa que o Jornal Nacional<br />

mostrou pendurada na frente de uma grade de ferro.<br />

Parazão era um traficante que lutava pelo <strong>do</strong>mínio da favela de Acari, então sob o controle de<br />

Jorge Luís. E pior: a placa estava sobre treze corpos aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s em frente à Fábrica de<br />

Esperança.<br />

— Você viu? É lá na frente da fábrica — disse Alda, desvian<strong>do</strong> o olhar da televisão e me<br />

olhan<strong>do</strong> assustada.<br />

— Meu Deus, onde é que nós fomos nos meter? Mas como você disse, não tem mais volta —<br />

falei para minha esposa.<br />

Como estava profundamente dedica<strong>do</strong> à evangelização <strong>do</strong>s presos de Bangu I, e como lá<br />

dentro conhecera pessoas que <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de fora tinham fama pior <strong>do</strong> que o tal Parazão, preferi<br />

pensar que talvez por trás daquele bicho houvesse um homem, e assim prossegui sem me<strong>do</strong>.<br />

As idas ao presídio de segurança máxima eram incríveis sob to<strong>do</strong>s os aspectos. Primeiro,<br />

porque ali cheguei mais perto <strong>do</strong> que nunca da ambigüidade humana; tanto a minha quanto a <strong>do</strong>s<br />

outros. Conhecer um criminoso temi<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s e de repente perceber a humanidade dele mais<br />

que viva foi algo esmaga<strong>do</strong>r para mim. Não podia mais tratar aquelas pessoas, e ninguém mais<br />

dali para a frente, apenas como caricaturas de jornal.<br />

No início, eu achava que lá havia apenas bandi<strong>do</strong>s manti<strong>do</strong>s atrás das grades. Depois é que vi<br />

que havia gente nas celas de Bangu I. E tais pessoas, antes de estarem presas dentro <strong>do</strong>s cárceres<br />

de cimento, estavam confinadas dentro de seus próprios corpos, os quais, às vezes, estavam<br />

<strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s por monstros ou apenas por fantasmas de um momento, que fizeram vítimas de tempos<br />

e circunstâncias históricas, feitas crônicas. Mas foi só depois de constatar a prisão <strong>do</strong>s corpos que<br />

percebi a prisão nos corpos. E isso me liberou para visitar não apenas o presídio, mas a prisão<br />

mais profunda, onde aqueles espíritos humanos se encontravam.<br />

A experiência ali também me revelou o poder enorme que a mídia tem de estabelecer a<br />

existência referencial de certos monstros, cuja existência passa a ser uma necessidade social. O<br />

Rio não tem como viver sem a presença histórica daqueles bichos. Eles são fundamentais quanto

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