Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
a memória genocida <strong>do</strong>s maias e cai em depressão. Pensa que o Rio vai acabar e começa a brigar<br />
com fantasmas. O caso dele é médico — falei com extrema picardia, já começan<strong>do</strong> a me<br />
acostumar com aquele jogo de imagens, caricaturas e factóides.<br />
— Agora ele excedeu. Deixou de falar como <strong>pastor</strong> e falou como político — disse César Maia,<br />
esquecen<strong>do</strong>-se que ele mesmo havia dito, semanas antes, que não me via como <strong>pastor</strong>, mas como<br />
político.<br />
— Depois de amanhã é Natal. Daqui pra frente, não falo mais nada sobre o prefeito. Vou me<br />
recolher à oração por ele. Ele pode dizer o que quiser. Eu sei quem sou, e Deus também o sabe.<br />
Que Deus abençoe o prefeito e sua família — falei depois de ter me arrependi<strong>do</strong> de ter trazi<strong>do</strong> o<br />
debate para o campo pessoal, na jocosa resposta que dera sobre a suposta esquizofrenia entre<br />
César e Maia.*<br />
*Somente 11 meses após aquele tiroteio foi que o prefeito e eu pudemos nos encontrar, longe da mídia e <strong>do</strong> processo eleitoral, e<br />
descobri que nem ele era aquele que eu havia dito que ele era, que nem eu sou a pessoa que ele pensou que eu fosse. Ao contrário,<br />
depois de uma visita à Fábrica de Esperança em companhia <strong>do</strong> deputa<strong>do</strong> federal Arolde de Oliveira, o prefeito pôde ver de perto o<br />
nosso trabalho. De minha parte, pude vê-lo não como um cria<strong>do</strong>r de factóides, mas como um ser humano capaz de voltar atrás e<br />
reparar equívocos, o que o fez crescer imensamente ante os meus olhos, uma vez que só consigo crer em homens capazes de<br />
penitência. Os inflexíveis são perigosos, e os rancorosos são os piores e mais letais de to<strong>do</strong>s. Mas graças a Deus, César Maia não<br />
parece ser assim. Dessa forma, em novembro de 1996, se reconciliou comigo e com a Fábrica de Esperança, e terminamos como<br />
parceiros em vários projetos sociais.<br />
Naquele mesmo dia 22 de dezembro de 1995, o Jornal Nacional, da Rede Globo, anunciou a<br />
existência de uma fita de vídeo feita por um ex-sócio <strong>pastor</strong>al de Edir Mace<strong>do</strong>, que vinha a<br />
público para revelar os estratagemas <strong>do</strong> bispo para levantar fun<strong>do</strong>s para sua igreja. O material era<br />
chocante. As caretas, posturas e frases traziam para um plano horrível a questão de como o<br />
dinheiro é trata<strong>do</strong> pelos líderes da Universal.<br />
— Ó! Ó! Ou o cara dá ou desce — foi a frase <strong>do</strong> bispo Mace<strong>do</strong> que mais ecoou de tu<strong>do</strong> aquilo.<br />
O problema é que a tal frase trazia à memória um monte de ane<strong>do</strong>tas de natureza erótica, o que<br />
aumentava imensamente o impacto da declaração.<br />
A mídia voou em cima de mim. Fugi de quase to<strong>do</strong>s eles. As poucas declarações que me<br />
permiti fazer foram extremamente “distantes e frias”.<br />
— Tô cansa<strong>do</strong> disso tu<strong>do</strong> — falei aos repórteres.<br />
Peguei a esposa e os filhos e fui a Manaus passar o Natal com meus pais, em cuja companhia<br />
não celebrava aquela data há mais de dez anos.<br />
— Pastor <strong>Caio</strong>? Aqui é a Guta, <strong>do</strong> Jornal Nacional. O senhor já chegou a Manaus? —<br />
indagava uma jovem da produção <strong>do</strong> Fantástico tão logo liguei o telefone celular, com o avião<br />
ainda taxian<strong>do</strong> na pista. — Olha, <strong>pastor</strong>, tem uma equipe <strong>do</strong> Fantástico esperan<strong>do</strong> o senhor no<br />
hall <strong>do</strong> aeroporto. Dá pro senhor dar só uma entrevistinha? — perguntou-me ela.<br />
Foi a última entrevista que dei em 1995. Fui lacônico. A partir dessa data, recusei cada uma<br />
das tentativas que a mídia fez de me trazer para dentro daquele e de vários outros temas.<br />
No dia 26 de dezembro fomos passar cinco dias às margens <strong>do</strong> rio Urubu, a cerca de<br />
duzentos quilômetros de Manaus. Os cheiros de minha infância voltaram aos meus senti<strong>do</strong>s.<br />
Andei sozinho pela beirada <strong>do</strong> rio e nadei nas suas águas negras. Lavei-me e batizei-me de todas<br />
aquelas sujidades que haviam poluí<strong>do</strong> minha alma no ano que estava findan<strong>do</strong>.<br />
Naqueles dias fiz uma viagem histórico-mística às raízes daquela região. Em conversa com<br />
minha irmã Suely, fiquei saben<strong>do</strong> que algumas tribos que tinham vivi<strong>do</strong> às margens daquele rio,<br />
exatamente onde estávamos, haviam si<strong>do</strong> chacinadas pelos coloniza<strong>do</strong>res.<br />
Suely estarreceu-me, tamanho era seu conhecimento sobre a história indígena <strong>do</strong> lugar. Sua<br />
memória viajava por caminhos lúgubres, nostálgicos, cheios de <strong>do</strong>res. Ela falava daqueles índios<br />
extintos como se pertencesse à linhagem direta de cada um deles.