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Confissões do pastor - Caio Fábio

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Capítulo 32<br />

“A tempestade cai sobre os navegantes e ameaça tragá-los. To<strong>do</strong>s empalidecem<br />

diante da morte que os espera. O céu e o mar se acalmam, e o excesso da alegria<br />

que nasce em seus corações é exatamente proporcional ao excesso de seu me<strong>do</strong> na<br />

hora da tormenta.”<br />

Santo Agostinho, <strong>Confissões</strong><br />

Conforme havia solicita<strong>do</strong>, fui o último a ser retira<strong>do</strong> da aldeia. A tribo toda foi para a beira<br />

<strong>do</strong> rio para se despedir de mim. Chorei muito, beijei a to<strong>do</strong>s os que pude e disse que jamais me<br />

esqueceria de seus rostos para o resto de minha existência. Enquanto Manoel remava o<br />

casquinho até ao fragilíssimo monomotor que viera me buscar, mantive meus olhos fixos na<br />

paisagem que ficava para trás. Tinha a esperança de um dia voltar ali, mas também tinha a<br />

suspeita de que talvez jamais conseguisse retornar. Acenei uma última vez e entrei no<br />

apertadíssimo avião.<br />

— Boa tarde, <strong>pastor</strong>. Meu nome é George — disse o piloto, homem de uns sessenta anos e<br />

com um pesadíssimo sotaque de americano que não se esforça o suficiente para falar português.<br />

— Quanto tempo vai levar daqui a Manaus? — perguntei, pois sabia que num avião daquele o<br />

tempo e o vento têm importância fundamental.<br />

— Ah, umas duas horas e meia, no máximo — ele respondeu.<br />

A decolagem de dentro <strong>do</strong> rio Nhamundá foi um susto, pois pegamos um vento de proa e a<br />

velocidade <strong>do</strong> aparelho diminuiu. Subimos, mas passamos raspan<strong>do</strong> na copa de uma enorme<br />

castanheira.<br />

— Ê, ê! Esse negócio sempre sobe assim mesmo, George? — indaguei assusta<strong>do</strong>.<br />

— Não. Foi porque a gente quase não conseguiu — ele respondeu friamente, como se a<br />

possibilidade de nós não termos consegui<strong>do</strong> fosse significar qualquer coisa menos banal que a<br />

morte.<br />

“Esse George é esquisito”, pensei.<br />

Dez minutos depois de estarmos voan<strong>do</strong>, entramos numa nuvem escura. O avião subiu,<br />

desceu, sacudiu e começou a tremer sem parar. Em seguida, caiu um pé d’água sobre nós como<br />

eu jamais vira antes. Foi esquentan<strong>do</strong>. Comecei a suar. Alaguei meu tênis e encharquei a calça.<br />

Foi quan<strong>do</strong> vi que na janela havia uma tampinha de vidro, bem re<strong>do</strong>nda, que estava ali para casos<br />

como aquele: permitir a entrada de vento quan<strong>do</strong> uma tempestade impedisse o piloto de abrir<br />

mais as entradas de ar. Rodei aquela tampinha e enfiei o nariz ali. Que alívio.<br />

A tempestade, entretanto, não aliviava. Os balanços e as trepidações pareciam se agravar.

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