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Confissões do pastor - Caio Fábio

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“O que vocês acham da visita <strong>do</strong> <strong>pastor</strong> aqui na comunidade? — perguntava ainda.<br />

— Vira essa luz pra lá. A Globo num entra aqui — falou um moço que vestia uma jaqueta<br />

preta de couro, para<strong>do</strong> na chuva, no alto de um platô que dava acesso a mais um lance de casas da<br />

favela.<br />

— Ele é da Globo, mas não vai prejudicar você! — falei.<br />

— Eu falei pra não me filmar — disse o homem, começan<strong>do</strong> a engrossar.<br />

— Meu senhor, nós estamos aqui para orar, e eles estão filman<strong>do</strong> a gente. Eles não estão<br />

fazen<strong>do</strong> nada que prejudique a vocês — falei, colocan<strong>do</strong> a mão no ombro <strong>do</strong> homem. — Vem cá!<br />

Deixa eu te dar um abraço — prossegui.<br />

— Güenta aí que eu tenho que proteger o trabuco aqui debaixo da capa — falou o solda<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

tráfico comanda<strong>do</strong> por Uê. Então, abraçou o rifle de um la<strong>do</strong> e me abraçou <strong>do</strong> outro.<br />

— Fique tranqüilo que a gente não mostra o seu rosto. Eu vou cobrir você com aqueles<br />

xadrezinhos, sabe? Não aparece nada — disse Caco Barcelos.<br />

— Mas os homens podem ir lá e ver a cara da gente — falou o “solda<strong>do</strong>”, olhan<strong>do</strong> para o<br />

outro la<strong>do</strong>, mas já sem oferecer resistência.<br />

— A gente está te dan<strong>do</strong> a palavra de que ninguém vai pegar esse material. Certo? — falou<br />

Cadu. O homem não respondeu nada e nós prosseguimos subin<strong>do</strong>.<br />

Naquela noite eu caí na lama, me atolei em cocô de porco, me cortei em pedaços de alumínio,<br />

rasguei as calças, molhei minha Bíblia. Nós to<strong>do</strong>s nos encharcamos até a alma. Enfim, chegamos<br />

à caixa-d’água, no topo <strong>do</strong> Juramento. A chuva havia diminuí<strong>do</strong>. Apenas uma garoa nos mantinha<br />

úmi<strong>do</strong>s. As luzes <strong>do</strong> Rio piscavam aos milhares. A visão da Zona Norte da Cidade Maravilhosa era<br />

fantástica.<br />

— Senhor, abençoa esta cidade — começou a orar em voz alta o <strong>pastor</strong> Samuel Brum. Então,<br />

to<strong>do</strong>s nós estendemos os braços sobre aquela vista exuberante e clamamos a Deus, pedin<strong>do</strong> que<br />

tivesse piedade de lugar tão lin<strong>do</strong>. Ficamos ali em cima fazen<strong>do</strong> orações pela cidade, suas<br />

autoridades, seus habitantes e seus conflitos por uns quarenta minutos. Enquanto isso, Caco e<br />

Danille Franco gravavam suas “cabeças” para as matérias que estavam preparan<strong>do</strong> para seus<br />

respectivos programas.<br />

Obviamente descemos o morro bem mais rapidamente que subimos.<br />

— Pastor, o senhor não sabe como me fez bem ter vin<strong>do</strong> aqui hoje — falou-me Caco<br />

Barcelos quan<strong>do</strong> nos despedimos lá embaixo, no asfalto.<br />

Assim findava a sexta-feira. No <strong>do</strong>mingo, o Fantástico mostrou uma linda matéria sobre<br />

nossa invasão noturna ao Juramento. Mas na segunda-feira, duas coisas totalmente opostas<br />

aconteceram em relação à matéria <strong>do</strong> Fantástico.<br />

— O Zuenir, o Walter de Matos e eu vamos visitar o general Mei e o general Câmara Sena.<br />

Eu queria que você fosse com a gente — disse Rubem César, bem cedinho, chaman<strong>do</strong>-me em<br />

casa.<br />

Corri para o Coman<strong>do</strong> Militar <strong>do</strong> Leste, na Central <strong>do</strong> Brasil, a tempo de encontrá-los. O<br />

lugar estava apinha<strong>do</strong> de repórteres. Entrei pelos fun<strong>do</strong>s, mas eles me viram e me chamaram pelo<br />

celular. Queriam uma declaração.<br />

— Agora não. Depois — falei e corri para o eleva<strong>do</strong>r.<br />

Logo chegaram Rubem e Zuenir Ventura. Esperamos uns 15 minutos. Os generais estavam<br />

numa outra reunião.<br />

— Tá ven<strong>do</strong> ali embaixo? — perguntou-me Zuenir, apontan<strong>do</strong> para o pátio imenso <strong>do</strong> fun<strong>do</strong><br />

daquele imponente prédio. — Em 1968, eu fiquei aqui, sen<strong>do</strong> interroga<strong>do</strong>. Foi uma coisa — falou<br />

o repórter, jornalista e autor <strong>do</strong>s livros 1968: o ano que não terminou e Cidade partida.<br />

— Veja você como a história é irônica. Você esteve aqui sen<strong>do</strong> interroga<strong>do</strong> e hoje está aqui

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