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aquela. Minha sensação era a de que eu havia volta<strong>do</strong> no tempo ou mergulha<strong>do</strong> numa outra<br />
dimensão da experiência humana.<br />
Homens baixinhos, cuja nudez se disfarçava apenas atrás de pequenos panos de cor<br />
vermelha, de cabelos muito escorri<strong>do</strong>s e entrelaça<strong>do</strong>s por longos caniços, saudavam-me numa<br />
língua gutural, completamente estranha aos meus ouvi<strong>do</strong>s. Crianças barrigudas e absolutamente<br />
nuas, destemidamente se enroscavam em minhas pernas, que para elas eram extremamente<br />
longas. Mulheres e mocinhas seminuas — com seus grandes e caí<strong>do</strong>s seios, no caso das mães; ou<br />
com seios fortes, firmes e bem-feitos, no caso das mais jovens — riam para mim, como se<br />
tivessem acaba<strong>do</strong> de ver um homem de outro planeta.<br />
— Bem-vin<strong>do</strong> ao nosso meio, irmão <strong>Caio</strong> — disse Pedro Peter, que já havia mora<strong>do</strong> na aldeia<br />
mais de <strong>do</strong>is anos e agora estava de volta. — Esse aqui é Desmun<strong>do</strong> e essa <strong>do</strong>na Mary, sua esposa<br />
— falou apontan<strong>do</strong> na direção de um gringo com cara de inglês e sua esposa, baixinha, de rosto<br />
bem re<strong>do</strong>n<strong>do</strong>, porém bem europeu.<br />
Já era meio-dia e a fome estava grande. Levaram-me para a maloca, onde eu <strong>do</strong>rmiria em<br />
companhia de pelo menos umas dez outras pessoas, e perguntaram se eu queria comer.<br />
— O que vai ser? Uma galinhazinha piroca? — perguntei, apontan<strong>do</strong> para uma ave de<br />
pescoço pela<strong>do</strong> que comia farelos ali ao la<strong>do</strong>.<br />
— Não! Galinha aqui é apenas para decoração de cabelos e roupas. O que nós temos para<br />
comer é só beiju e vinho de açaí — falou a esposa de Pedro Peter.<br />
Como eu gostava muito de ambas as coisas, comi até não poder mais. Depois, parei para ouvir<br />
Desmun<strong>do</strong> contar a história daquela comunidade.<br />
— Quan<strong>do</strong> eu cheguei aqui, não sabia nada sobre os yscarianas. Vim apenas porque queria<br />
aprender a língua deles e traduzir a Bíblia para o idioma. Quan<strong>do</strong> chegamos, eles nos receberam<br />
com tranqüilidade. Não sabíamos como nos comunicar, mas percebemos que eles eram<br />
diferentes, nos traziam comida e riam muito para nós. Um dia, quan<strong>do</strong> eu estava escovan<strong>do</strong> os<br />
dentes na beira <strong>do</strong> rio, um indiozinho veio e ficou bem ao meu la<strong>do</strong>, olhan<strong>do</strong>-me enfiar aquela<br />
escova na boca e mexer de um la<strong>do</strong> para o outro. Fiquei sem graça. Levantei, olhei para o rio e<br />
decidi assobiar um hino. Aprontei o bico e soprei os sons de Santo, Santo, Santo, Deus onipotente.<br />
De repente, percebi que o rapazinho estava assobian<strong>do</strong> comigo. Parei e olhei para ele, mas ele<br />
continuou a assobiar sozinho. O índio sabia o hino to<strong>do</strong> e assobiou-o com um riso maroto no<br />
canto da boca, enquanto eu arregalava os olhos.<br />
— Mas como? Quem já tinha prega<strong>do</strong> o evangelho pra eles? Onde é que eles aprenderam<br />
Santo, Santo, Santo? — perguntei curiosíssimo.<br />
— Há uma tribo chamada uai-uai. Eles são das matas venezuelanas. Lá nas florestas onde<br />
viviam, chegaram uns missionários e falaram sobre o evangelho com eles. A tribo inteira se<br />
tornou cristã e eles decidiram que seriam os porta-vozes de Deus na floresta. Eles estão<br />
percorren<strong>do</strong> as matas pregan<strong>do</strong> para outros índios — informou-me Desmun<strong>do</strong>, enquanto eu<br />
quase não acreditava na beleza daquilo que ouvia.<br />
— E a conversão <strong>do</strong>s yscarianas, como aconteceu? — indaguei com profunda ansiedade.<br />
— Os uai-uai chegaram aqui perto, abriram uma clareira, acamparam e mandaram uma<br />
comitiva até aqui. “Mandem alguns homens porque temos boas novas para vocês”, eles<br />
mandaram dizer. Então, os yscarianas mandaram uma comitiva. Lideran<strong>do</strong> o grupo foi o<br />
feiticeiro da tribo, o sacer<strong>do</strong>te, o pajé. O nome dele é Araca. Lembra <strong>do</strong> homem de cabelo corta<strong>do</strong><br />
re<strong>do</strong>n<strong>do</strong> em forma de cuia? Aquele que eu apresentei a você em primeiro lugar? Ele é o Araca.<br />
Eles foram até lá e se sentaram com os líderes <strong>do</strong>s uai-uai. Ouviram sobre a visita <strong>do</strong> Filho de<br />
Deus ao mun<strong>do</strong>. Disseram não saber que KorinKumam tinha um filho. Mas os uai-uai disseram<br />
que Jesus era o filho de KorinKumam. Ouviram várias histórias de milagres <strong>do</strong> evangelho, todas