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durante seis anos.<br />
— Eu não acredito no que estou ouvin<strong>do</strong>. Eu fiz vocês sofrerem muito. Como é que você<br />
pode dizer que me respeita? — falou, desaban<strong>do</strong> em lágrimas copiosas e convulsivas, enquanto<br />
eu a puxava para cima de meu peito e dava-lhe um abraço terno e filial.<br />
Ela ficou ali, com a cabeça no meu ombro, por uns cinco minutos. Alguém foi até a janela e<br />
viu-a abraçada comigo. Em razão de minha fama passada, apesar de já ser <strong>pastor</strong>, achei que a<br />
situação poderia ser mal interpretada. Por isso, tratei de recompô-la a fim de sair dali. Afinal, não<br />
seria a primeira vez que o filho se serviria da amante <strong>do</strong> pai.<br />
— Olhe, eu quero que você vá à igreja comigo. Você iria? — perguntei.<br />
— Você num sabe o que está fazen<strong>do</strong>. Sabe, teu pai me amou muito. O que houve entre nós<br />
foi muito forte. Hoje ele é <strong>pastor</strong>, mas ainda é homem. Se eu for lá, pode ser que tu<strong>do</strong> aquilo<br />
nasça outra vez. Seria terrível e um mal muito maior — disse ela com sinceridade.<br />
— Eu virei pegar você no próximo sába<strong>do</strong> à noite. Tem muita gente lá. Cê entra comigo,<br />
pelos fun<strong>do</strong>s. Eles nem vão ficar saben<strong>do</strong>. Aí então você vê meu pai. Se você achar que ele ainda é<br />
vulnerável a você, a gente deixa como está. Se não, eu vou continuar levan<strong>do</strong> você pra igreja,<br />
certo? — falei com ar final, de quem combina um tanto unilateralmente.<br />
No sába<strong>do</strong> seguinte fizemos conforme o combina<strong>do</strong>. Ela tremia de nervosa. Entramos depois<br />
da reunião ter começa<strong>do</strong>. Ela se sentou no meio da multidão e eu fui lá para a frente. Preguei<br />
minha mensagem e meu pai fez uma oração. Encerramos o culto.<br />
— Eu não acredito. Meu Deus, aquele não é o <strong>Caio</strong> que eu conheci tão bem. O que<br />
aconteceu com ele? Tá com cara de profeta com aquela barba branca, grande, e aquele ar de paz!<br />
Que coisa! — foi o que ela disse tão logo entrou no carro.<br />
Voltei para casa e fui direto falar com papai e mamãe. Contei tu<strong>do</strong> e fiz um pedi<strong>do</strong>.<br />
— Gostaria que nos encontrássemos com ela como família. Isso vai nos libertar <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e<br />
nos fará muito mais livres como pessoas. Vocês aceitam? — provoquei.<br />
— Por mim, não há problema. Eu já havia deseja<strong>do</strong> fazer algo assim, mas nunca tive<br />
coragem. Temia que me interpretassem mal, a começar por sua mãe. Mas meu pensamento<br />
sempre foi o seguinte: “Se eu, que tive o caso com ela, pude mudar de vida, por que ela não<br />
pode?” O problema é que eu sei que eu jamais deveria ser a pessoa para pregar para ela.<br />
Certamente poderia dar uma “aparência de mal”, e isso eu não quero — concluiu citan<strong>do</strong> uma<br />
exortação de São Paulo sobre não criar aparências desnecessárias que possam se tornar escândalo<br />
para os outros.<br />
— Desculpe-me, meu filho, mas eu não tenho sangue de barata. É muito fácil pra você e seu<br />
pai ficarem aí dan<strong>do</strong> uma de bons cristãos. Mas fui eu que fui humilhada por ela. Não, não dá não.<br />
Quero que ela se converta e que seja per<strong>do</strong>ada <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s dela, mas bem longe de mim. Aqui<br />
perto, jamais — disse mamãe sem titubeio e com clara revolta no olhar. A impressão que me deu<br />
foi a de que ela havia se senti<strong>do</strong> traída por mim.<br />
Então ela abaixou a cabeça, fixou o olhar no chão e chorou um pranto ambíguo. Parecia que,<br />
de um la<strong>do</strong>, ela gostaria de vencer aquilo, deixar o passa<strong>do</strong> ser passa<strong>do</strong> e per<strong>do</strong>ar a mulher. Mas<br />
de outro, to<strong>do</strong>s os seus brios femininos levantaram-se e prenderam-na numa teia de sentimentos<br />
que nem nós nem ela imaginávamos que ainda estivessem tão vivos.<br />
— Vai ver que a Simone tá certa. Essa coisa foi profunda demais pra acabar assim, sem<br />
marcas e conseqüências incuráveis. Vai ver que eu tô pedin<strong>do</strong> de mamãe o que ninguém pediria<br />
de sua mãe. Mas e se isso for uma oportunidade divina pra gente ficar maior que o passa<strong>do</strong>? Mas<br />
eu também sei que ninguém é maior que seu passa<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> este define a conduta no presente<br />
— pensei alto, enquanto caminhava em direção ao meu quarto.<br />
Apesar de tu<strong>do</strong>, continuei visitan<strong>do</strong> Simone. Evitei ao máximo falar sobre meus pais.