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— É uma fita de vídeo, <strong>pastor</strong>. Uma fita que conta a história toda <strong>do</strong> que fizeram pro senhor<br />
— falou com voz nervosa, com o ar sen<strong>do</strong> entrecorta<strong>do</strong>, como se ele estivesse cansa<strong>do</strong> ou sem<br />
fôlego.<br />
— E que fita é essa? — insisti, inician<strong>do</strong> a gravação da conversa no pequeno aparelho que um<br />
de meus assessores havia conecta<strong>do</strong> ao meu telefone direto.<br />
— Pastor, é coisa de Deus. O senhor sabe, a PM tem um serviço de gravação interna pra<br />
eventos e outras coisas. Meu amigo Renato trabalha nesse serviço. Olha, umas três semanas<br />
atrás, antes da coisa na Fábrica acontecer, ele foi gravar uma fala <strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r, na casa dele,<br />
pros policiais. Era um negócio interno. O Renato tava sozinho pra gravar e me levou com ele.<br />
Quan<strong>do</strong> acabou a gravação, a gente começou a desligar o equipamento. Desligamos tu<strong>do</strong> e fomos<br />
embora.<br />
— Mas e daí, João? O que isso tem a ver comigo e com o que me aconteceu?<br />
— Calma, <strong>pastor</strong>. Calma. O senhor vai gostar. Foi Deus que me man<strong>do</strong>u lá. Bom, mais de<br />
uma semana depois, a gente foi editar as fitas. Foi quan<strong>do</strong> eu vi que, enquanto a gente<br />
desmontava o equipamento, uma câmara continuava gravan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong>, porque a gente tinha<br />
esqueci<strong>do</strong> de desligar. Gravou tudinho <strong>pastor</strong> — falou com um tom de mistério.<br />
— Tudinho o quê, João? — falei um tanto impaciente.<br />
— O papo <strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r com os outros caras, dizen<strong>do</strong> que o senhor tinha que levar uma<br />
dura, que o senhor tinha que ser ferra<strong>do</strong>. Olha, era tu<strong>do</strong> o que eu tinha pra dizer. Agora que o<br />
senhor já sabe, tome as providências — disse o tal João, como se tivesse ajuda<strong>do</strong> muito.<br />
— João, assim você não me aju<strong>do</strong>u. Você só me angustiou. Afinal, você apenas confirmou o<br />
que eu já suspeitava, mas isso não me ajuda em nada. Você só vai me ajudar se me der essa fita.<br />
— Olha, é muito perigoso. O Renato num queria nem que eu falasse com o senhor. É tu<strong>do</strong><br />
que eu posso fazer. Se eles descobrirem que a gente tem isso, a gente tá ferra<strong>do</strong>.<br />
— Olha, eu posso proteger vocês tanto aqui no Brasil quanto no exterior. Isso não é<br />
problema. Tenho muitos amigos no mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong> e aqui também. Sei que posso proteger vocês<br />
<strong>do</strong>is. João, eu tenho que te ver.<br />
— Eu vou conversar com o Renato e ligo pro senhor amanhã — disse ele, desligan<strong>do</strong>.<br />
Chamei o pessoal que estava junto comigo naquela situação e mostrei a gravação. Eles riram à<br />
beça de meu jeito “súplice”.<br />
— Pô, <strong>pastor</strong>, o senhor é bom mesmo pra implorar. Tá dan<strong>do</strong> uma pena danada <strong>do</strong> senhor —<br />
disse Jorge Antônio Barros, já cain<strong>do</strong> na risada.<br />
— Sabem qual é meu me<strong>do</strong>? Eu não acredito nessa fita. O governa<strong>do</strong>r jamais seria capaz de<br />
uma baixeza dessas. Ele nunca se exporia assim e também não acredito que ele seja esse tipo de<br />
homem. E mesmo que fosse, não daria uma bandeira dessas. Sabem o que eu acho? Acho que<br />
estamos sen<strong>do</strong> extorqui<strong>do</strong>s ou grava<strong>do</strong>s por gente que quer ver se arranca de nós declarações<br />
contra o governa<strong>do</strong>r. E se eu entrar nessa, amanhã viro o vilão dessa história. Vou dar corda pra<br />
ver até onde vai, mas vou pisan<strong>do</strong> em ovos — falei a to<strong>do</strong>s.<br />
No dia seguinte, João ligou de novo. Durante uma semana ele agiu <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong>. Fez de<br />
tu<strong>do</strong> para criar um clima de ansiedade insuportável, de perigo iminente. E, conforme havíamos<br />
decidi<strong>do</strong>, entrei no clima, gemen<strong>do</strong> de angústia ao telefone, mostran<strong>do</strong> o meu espírito de<br />
seqüestra<strong>do</strong> e de parente da vítima, ao mesmo tempo, e imploran<strong>do</strong> para saber o preço <strong>do</strong> resgate.<br />
Mas João endureceu ao máximo. Protelou como pôde. Até que na quinta-feira, dia 14 de<br />
dezembro, dei um ultimato a ele.<br />
— João, eu não tenho mais tempo a perder. Ou você me encontra amanhã ou não ligue nunca<br />
mais — disse de mo<strong>do</strong> absolutamente resoluto.<br />
— Amanhã a gente se vê. Mas onde? Tem que ser um lugar seguro pra nós <strong>do</strong>is — falou