23.04.2013 Views

Confissões do pastor - Caio Fábio

Confissões do pastor - Caio Fábio

Confissões do pastor - Caio Fábio

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Capítulo 48<br />

“Sou uma criança, mas meu Pai vive eternamente, e é o tutor que me convém; Ele<br />

é ao mesmo tempo o que me gerou e o que me protege.”<br />

Santo Agostinho, <strong>Confissões</strong><br />

No início de dezembro de 1994, eu estava no morro Dona Marta, numa tarde ensolarada,<br />

trocan<strong>do</strong> armas de brinque<strong>do</strong> por brinque<strong>do</strong>s de paz. O lugar já me era muito familiar desde a<br />

primeira vez que havia subi<strong>do</strong> a favela, seis meses antes, para orar com um grupo de setenta<br />

<strong>pastor</strong>es que atenderam ao meu convite para abençoar o Rio desde o cume daquela montanha.<br />

Depois daquele dia, eu voltei várias vezes ao Dona Marta. Naquela tarde, entretanto, era<br />

diferente. Estávamos no meio da campanha Rio, Desarme-se, e onde íamos havia repórteres de<br />

jornais, rádios e televisões. A garotada ficava agitada, os adultos, perplexos, e os traficantes, de<br />

plantão.<br />

— Ei, moçada. Nós estamos aqui para trocar armas de brinque<strong>do</strong> por brinque<strong>do</strong>s de Natal.<br />

Quem quiser é só chegar junto — eu gritava no alto-falante que levávamos e o lugar ficava<br />

inflama<strong>do</strong> de crianças.<br />

De repente, André Fernandes, o jovem guerreiro <strong>do</strong> evangelho que havia larga<strong>do</strong> o conforto<br />

de sua casa de classe média para ir viver naquela favela a fim de melhor pregar o evangelho, me<br />

disse:<br />

— Há três traficantes nos olhan<strong>do</strong>, senta<strong>do</strong>s ali embaixo naquela casa, e eles mandaram<br />

dizer que querem conversar com o senhor.<br />

— Então vamos lá — eu falei.<br />

Aproximamo-nos <strong>do</strong> lugar e vimos <strong>do</strong>is rapazes senta<strong>do</strong>s no chão e um outro numa mesa,<br />

com as pernas balançan<strong>do</strong> irrequietamente. Os três pareciam ter a mesma idade. Eu daria, no<br />

máximo, uns 22 anos. O rapaz sobre a mesa perguntou se eu queria beber um pouco <strong>do</strong><br />

refrigerante dele. Aceitei e dei uma golada.<br />

— Escuta aqui, qual é a tua de ficar trocan<strong>do</strong> armas de brinque<strong>do</strong> por brinque<strong>do</strong>s de paz? Cê<br />

acha que vai acabar com a violência fazen<strong>do</strong> isso? — perguntou-me o rapaz agita<strong>do</strong>, assenta<strong>do</strong><br />

sobre a mesa.<br />

— Sou <strong>pastor</strong>, mas não sou idiota — respondi. Então mostrei que aquela “troca” era apenas<br />

um mecanismo através <strong>do</strong> qual se pretendia mexer com a fantasia das crianças e com a sociedade<br />

como um to<strong>do</strong>, levantan<strong>do</strong> a questão de como nossos brinque<strong>do</strong>s são violentos.<br />

— É, grande sacada. Sua campanha é mais profunda <strong>do</strong> que pensei — falou, dan<strong>do</strong> um<br />

risinho maroto, o rapaz senta<strong>do</strong> sobre a mesa. — Mas me disseram que a sua ousadia vai mais

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!