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Confissões do pastor - Caio Fábio

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ajudar a quem vivia na região da sombra da morte.<br />

— Reveren<strong>do</strong>, que bom que eu achei você. Já tá saben<strong>do</strong> que acharam uma sacola com<br />

papelotes de cocaína na Fábrica? — perguntou Eliane Azeve<strong>do</strong>, que trabalhava na chefia de<br />

reportagem de O Globo.<br />

— Já sim. A Vinde está soltan<strong>do</strong> uma nota sobre o assunto. Não vejo nada demais nisso —<br />

falei, cren<strong>do</strong> realmente que aquilo tu<strong>do</strong> era natural naquelas circunstâncias.<br />

— Mas, olha, a coisa não é tão simples assim. O comandante da operação, tenente-coronel<br />

Marcos Paes, disse que foi lá guia<strong>do</strong> por uma denúncia feita ao Disque Denúncia e que não achou<br />

apenas a droga, mas também encontrou evidências de que a direção da Fábrica era conivente com<br />

aquilo, pois havia até mesmo um colchão ao la<strong>do</strong> para o pessoal tomar conta à noite — disse-me<br />

ela com um tom nervoso. Afinal, além de repórter, ela também era minha amiga.<br />

— Olha, tem algo erra<strong>do</strong> aí. Nós vamos investigar. Amanhã eu vejo isso — falei, ainda<br />

tentan<strong>do</strong> diminuir o impacto da situação.<br />

— Reveren<strong>do</strong>, não dá pra esperar até amanhã. Agora estou falan<strong>do</strong> como repórter e não como<br />

sua amiga. A coisa tá feia e o senhor tem que esclarecer. Além disso, o governa<strong>do</strong>r já se<br />

manifestou sobre o assunto. Falta o senhor — falou Eliane.<br />

— E o que foi que ele falou? — perguntei, começan<strong>do</strong> a ficar nervoso.<br />

— Vou lhe dizer, porque o assunto vai estar no jornal de amanhã e ele não pediu segre<strong>do</strong>. A<br />

questão é que havia um repórter de O Globo ao la<strong>do</strong> dele quan<strong>do</strong> ele recebeu um telefonema no<br />

celular. O governa<strong>do</strong>r estava em Brasília. O repórter disse que ele ouviu, e depois disse: “Que<br />

bom. Quer dizer então que chegou a hora de pipocar esse negócio? Vai cair tu<strong>do</strong>.” Então, virou<br />

pros outros que estavam com ele e disse: “Acharam droga lá na Fábrica de Esperança. A coisa vai<br />

começar a pipocar”, e aí, reveren<strong>do</strong>, deu uma gargalhada. O repórter ficou choca<strong>do</strong>. Ele disse que<br />

esperava que o governa<strong>do</strong>r lamentasse. Mas que nada. Ele chamou a imprensa e deu uma<br />

entrevista dizen<strong>do</strong> que sempre soube que a Fábrica era um paiol de drogas e outras coisas. Como<br />

o senhor vê, a coisa tá feia. Meu Deus, ele é o governa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>!<br />

— Olha, Eliane, tu<strong>do</strong> o que eu tenho a dizer é que uma coisa dessas acontecer lá em Acari é<br />

mais que possível, é provável. A gente está numa zona de risco. É como ser feri<strong>do</strong> em guerra. O<br />

perigo vem com o trabalho, e to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> sabe disso. E mais: acontece to<strong>do</strong>s os dias em lugares<br />

diferentes <strong>do</strong> Rio. Ele só está dan<strong>do</strong> valor a isso por causa <strong>do</strong> movimento Reage Rio — falei com<br />

muita angústia.<br />

O desassossego de meu coração foi profun<strong>do</strong> daí para a frente. Meus pés gelaram como todas<br />

as vezes que, na a<strong>do</strong>lescência, tinha uma briga marcada para o dia seguinte. Meu desejo era pegar<br />

o avião de volta ao Rio e partir para o confronto. Fiquei com raiva. Imaginei a irresponsabilidade e<br />

maldade daquelas declarações. No meu coração, fiquei toma<strong>do</strong> de ira. Minha vontade era não ser<br />

um <strong>pastor</strong> e nunca ter comprometi<strong>do</strong> a minha vida com os princípios <strong>do</strong> amor e da não-violência<br />

<strong>do</strong>s evangelhos.<br />

“Ai, meu Deus. Esse ímpio só tá dizen<strong>do</strong> isso porque ele sabe que nós não vamos reagir. Eu<br />

Te confesso, Senhor, se eu não fosse cristão, esse cara iria conhecer o poder da língua irada de<br />

um homem que não deve nada a ele. Ajuda-me, Jesus. Eu não quero odiar esse homem. Dá-me a<br />

chance de fazer o que Tu mandaste, quan<strong>do</strong> disseste que devemos amar os inimigos e orar pelos<br />

que nos perseguem. Dá-me forças, Senhor. Eu não quero ser venci<strong>do</strong> pelo ódio e pela amargura”,<br />

orei insistentemente e em lágrimas durante o resto <strong>do</strong> vôo até Recife.<br />

Quan<strong>do</strong> cheguei lá, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> já sabia. Algumas redes de televisão haviam mostra<strong>do</strong> a ação<br />

policial quase ao vivo e a coisa se transformara num assunto de repercussão nacional. Fiquei com<br />

mais raiva ainda. O celular não parava de tocar. Além da imprensa, as rádios e TVs estavam<br />

queren<strong>do</strong> informações. Nas rádios eu entrava ao vivo. O duro era não perder o controle. Tu<strong>do</strong> o

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