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Confissões do pastor - Caio Fábio

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eal, lá onde mora o peca<strong>do</strong>, custaram-lhe incompreensões e inimizades, não só de adversários de<br />

crença e de ética como de autoridades políticas e administrativas. O governa<strong>do</strong>r Marcello<br />

Alencar, por exemplo, abriu contra ele e sua principal obra social, a Fábrica de Esperança, uma<br />

guerra que incluiu pesadas denúncias, uma ocupação branca, auditorias e ameaça de interdição<br />

<strong>do</strong> espaço sob a alegação de que ali havia tráfico de drogas.<br />

Também com César Maia houve mal-entendi<strong>do</strong>s e bate-bocas públicos. O então prefeito<br />

chegou a apelidar <strong>Caio</strong> <strong>Fábio</strong> de “Pastor <strong>do</strong> pó” — pelo menos até visitar a Fábrica e se convencer<br />

da importância social <strong>do</strong> projeto, que passou então a respeitar e apoiar.<br />

Como se vê, o livro não é apenas a aventura de um peca<strong>do</strong>r e sua conversão. É também um<br />

pouco da história <strong>do</strong> Rio de Janeiro <strong>do</strong>s anos 90 — com os episódios que se inscreveram em nossa<br />

memória recente: a violência urbana, a criminalidade, a delinqüência, o escândalo <strong>do</strong><br />

jogo-<strong>do</strong>-bicho, a ocupação das favelas pelo Exército, a criação da Casa da Paz de Vigário Geral, as<br />

trapaças <strong>do</strong> bispo Mace<strong>do</strong>, o Viva Rio, a campanha <strong>do</strong> Desarme-se, e muito mais.<br />

Há na primeira parte <strong>do</strong> livro uma intenção edificante que incomoda pelo menos os que não<br />

têm muita fé. Será que a ênfase posta na perdição, naquela fase de juvenil entrega ao peca<strong>do</strong> não é<br />

um processo retórico para valorizar e engrandecer a conversão? A credulidade com que esse<br />

missionário investe nos peca<strong>do</strong>res barra-pesada também pode parecer meio ingênua? Valerá a<br />

pena converter bandi<strong>do</strong>s? Não será uma opção preferencial pelo algoz mais <strong>do</strong> que pela vítima?<br />

Essas dúvidas, que costumam ser levantadas por sua ação <strong>pastor</strong>al, não abalam as convicções<br />

<strong>do</strong> <strong>pastor</strong>. Ele acredita na conversão — na sua e, por conseqüência, na <strong>do</strong>s outros. Muitas vezes<br />

recorre a Jesus para explicar algumas de suas posições: “Jesus morreu entre ladrões, mas não os<br />

livrou da execução.”<br />

A sua ingenuidade pode se transformar em frio realismo. “A vida de vocês é burra”, é<br />

capaz de dizer para um traficante. “Tenho visto vocês morrerem to<strong>do</strong>s os dias. Quem não morre<br />

vai para Bangu I, o que é morte também. Vocês são instrumentos úteis nas mãos de um pessoal<br />

que nunca é apanha<strong>do</strong> e que mantém essa porcaria funcionan<strong>do</strong>.”<br />

Lições como essas — muito antes de ficar evidente que a conexão internacional <strong>do</strong> tráfico,<br />

essa, sim, milionária, passa longe desses pés-de-chinelo cuja alma <strong>Caio</strong> <strong>Fábio</strong> tenta salvar, já<br />

que não pode fazer o mesmo com a vida — demonstram que esse <strong>pastor</strong> sabe onde pisa. Conversa<br />

com Deus, não aban<strong>do</strong>na o Evangelho, vive distribuin<strong>do</strong> bênçãos mas, por via das dúvidas,<br />

conhece tu<strong>do</strong> o que se passa na vida terrena. O espiritual sem o social é um círculo vicioso que<br />

não ajuda a virtude. É mais fácil ser peca<strong>do</strong>r com a barriga vazia.<br />

ZUENIR VENTURA<br />

escritor, jornalista e<br />

editor especial <strong>do</strong> Jornal <strong>do</strong> Brasil

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