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— Sabe quem está aí? — perguntou-me um <strong>do</strong>s membros de nossa igreja. — É o Artur Neto<br />
— respondeu sem nem me deixar perguntar quem era.<br />
Mencionei o nome dele à igreja, abracei-o à porta e nunca mais o vi. Apenas acompanhei sua<br />
carreira política à distância, como faço até hoje.<br />
Conforme se aproximava o momento da partida, nossa saudade antecipada crescia, sem cura<br />
ou remédio. Choramos seis meses nos despedin<strong>do</strong> <strong>do</strong>s amigos e partimos para o Rio de Janeiro<br />
no dia 4 de fevereiro de 1981.<br />
A vida em Niterói era infinitamente mais tranqüila que em Manaus, espiritualmente falan<strong>do</strong>.<br />
Perto de <strong>do</strong>is grandes aeroportos, eu podia me movimentar com desenvoltura, ainda que nos<br />
primeiros seis meses eu tenha fica<strong>do</strong> mais concentra<strong>do</strong> no crescimento da minha igreja local,<br />
que, ao final daquele perío<strong>do</strong>, já estava pequena para o público que afluía, razão pela qual<br />
começamos a pensar em fazer três cultos por <strong>do</strong>mingo: um de manhã e <strong>do</strong>is à noite. Minha<br />
ênfase, naquele perío<strong>do</strong>, era no aconselhamento psicoterapêutico das ovelhas. Estava len<strong>do</strong><br />
muitos livros sobre a alma humana e descobri um profun<strong>do</strong> e <strong>do</strong>loroso prazer em ouvir pessoas e<br />
suas <strong>do</strong>res. Quan<strong>do</strong> alguém saía de um buraco escuro, eu me alegrava imensamente, mas,<br />
enquanto isso não acontecia, muitas vezes eu mergulhava junto.<br />
No segun<strong>do</strong> semestre de 1981, as viagens reiniciaram. Eu viajava duas vezes por semana.<br />
Corria o Brasil pregan<strong>do</strong> em to<strong>do</strong>s os lugares. Multidões reuniam-se para ouvir a mensagem. A<br />
sensação que eu tinha era a de que estávamos fazen<strong>do</strong> história de fé onde quer que fôssemos.<br />
Em meio a tu<strong>do</strong> isso, Alda ficou grávida pela quarta vez. No dia 10 de janeiro de 1983, nasceu<br />
Lukas, nosso quarto filho. Entretanto, com o seu nascimento, possivelmente associa<strong>do</strong> ao<br />
excitamento de nosso estilo de vida — bem mais equilibra<strong>do</strong> <strong>do</strong> que em Manaus, mas ainda<br />
intenso demais —, Alda entrou num processo de depressão. Não conseguia sair da cama.<br />
Pendurava Lukas em seu seio e os <strong>do</strong>is <strong>do</strong>rmiam de dia e de noite. Graças a Deus o menino era<br />
quietíssimo, pois <strong>do</strong> contrário Alda teria sofri<strong>do</strong> muito mais. Não é fácil precisar cuidar de uma<br />
criança quan<strong>do</strong> se está viven<strong>do</strong> em depressão. O problema foi que não somente ela experimentou<br />
aquele quadro de mergulho abissal na alma, mas eu, inexplicavelmente, sofri algo semelhante.<br />
Temor e tremor, Conceito de angústia e O desespero humano era a trilogia existencial de Sören<br />
Kierkegaard que eu estava len<strong>do</strong> naquele início de ano. Aquele mergulho na condição existencial<br />
<strong>do</strong> ser humano que me foi induzida pelo filósofo dinamarquês puxou-me para uma região de<br />
tamanha escuridão e angústia, que eu quis morrer. Tanta foi a <strong>do</strong>r daquele encontro com os<br />
enervamentos de minha alma, que numa noite quentíssima, naquele mês de janeiro, achei que a<br />
morte estava ao meu la<strong>do</strong>. Nosso apartamento dava de frente para a praia das Flechas e de lá se<br />
tinha o que os cariocas dizem ser a melhor coisa de Niterói: a vista <strong>do</strong> Rio. Mas naquela<br />
madrugada tu<strong>do</strong> estava sem cor e beleza. Minha angústia de ser um humano assentou-se tanto,<br />
que fiquei com me<strong>do</strong> de ser puxa<strong>do</strong> pelo vácuo que me seduzia para além da janela. Pulei de costa<br />
no sofá macio e marrom que havia ali e me agarrei a ele. “Jesus, eu não sei o que está acontecen<strong>do</strong><br />
comigo. Mas seja o que for, eu repreen<strong>do</strong> em Teu nome. Se for coisa da minha alma, cura-me. Se<br />
for ataque satânico, livra-me disso agora, pois não agüento mais”, orei em agonia.<br />
Depois daquela noite, aproveitan<strong>do</strong> o sentimento que me havia visita<strong>do</strong> e imaginan<strong>do</strong> a<br />
quantidade enorme de cristãos que possivelmente estavam passan<strong>do</strong> por coisas semelhantes,<br />
decidi publicar um livro que eu havia inicia<strong>do</strong> em Manaus, mas que havia deixa<strong>do</strong> na gaveta.<br />
Enchi o livro de respostas à angústia humana e lancei-o. Viver: desespero ou esperança? foi o<br />
título que escolhi.<br />
Aquela angústia, entretanto, saiu de mim na semana seguinte. A de Alda, no entanto,<br />
prolongou-se por cerca de três meses e foi diminuin<strong>do</strong> aos poucos, até que desapareceu<br />
completamente. Refeitos de alma, começamos a correr outra vez. E a agitação foi tão grande, que