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Confissões do pastor - Caio Fábio

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para Salva<strong>do</strong>r, cidade onde sua mãe, <strong>do</strong>na Zezé, tinha parentes que poderiam ajudá-lo a enfrentar<br />

as dificuldades inerentes a um curso de medicina, sua mais forte paixão até encontrar Gildélia,<br />

baianinha mimosa, de corpinho mignon, por quem ele caiu de amores e com que veio a casar-se.<br />

As moças da família tinham fica<strong>do</strong> em Manaus e seus horizontes tinham de caber dentro das<br />

limitadas ofertas da cidade. Assim era a vida para as mulheres naqueles dias.<br />

A grande questão de <strong>Fábio</strong> e Zezé era decidir que oportunidades dariam aos filhos, já que<br />

com o perigo das viagens de navio naquele tempo de guerra e com as dificuldades financeiras da<br />

família, agravadas pela necessidade de sustentar os rapazes que estudavam fora, ficava difícil<br />

imaginar o envio de mais um <strong>do</strong>s filhos para longe de casa.<br />

O jovem <strong>Caio</strong> desejava estudar engenharia civil, curso que ainda não existia em Manaus.<br />

Dona Zezé e o mari<strong>do</strong> ponderaram longamente sobre o que fariam com o filho. Apesar da<br />

deficiência física, <strong>Caio</strong> parecia ser ávi<strong>do</strong> intelectualmente e com grandes chances de vir a realizar<br />

tu<strong>do</strong> aquilo que desejasse na vida. Mas como? Não havia dinheiro e eles não queriam sofrer as<br />

angústias de não saber se o filho estaria bem ou não viven<strong>do</strong> longe <strong>do</strong> Amazonas. Além disso, um<br />

fato novo surgiu. Tão logo Renato e Carlos saíram de Manaus para estudar fora, a saúde de João<br />

<strong>Fábio</strong> começou a mostrar alguma deficiência.<br />

Havia claros sinais de que seu coração não fora fabrica<strong>do</strong> na mesma fôrma na qual o coração<br />

centenário <strong>do</strong> velho Araujinho tinha si<strong>do</strong> produzi<strong>do</strong>. João <strong>Fábio</strong> estava mal. Cansava-se à toa e não<br />

conseguia mais trabalhar com a mesma intensidade. Como conhecia muito bem os sintomas<br />

físicos de sua <strong>do</strong>ença, não tinha a menor dúvida de que não duraria muito. Portanto, a coisa mais<br />

sensata a fazer era arrumar a casa e preparar-se para a morte. Assim sen<strong>do</strong>, chamou <strong>Caio</strong>.<br />

— Meu filho, você é forte, apesar de ser aquele entre nós que mais faz força para conseguir<br />

as coisas. Eu não estou bem de saúde e sei que não tenho muito tempo. Você está apenas com 18<br />

anos, mas é com você que eu conto agora para ajudar sua mãe e aqueles que ainda estão sob nossa<br />

dependência. Restam-me apenas os proventos de minhas funções públicas. Fora isso, hoje, nosso<br />

único patrimônio é o seringal <strong>do</strong> Santo Antônio <strong>do</strong> Cainaã. Eu preciso que você assuma a<br />

administração de tu<strong>do</strong>. Mas, para isto, você terá que se sacrificar. Em vez de ir estudar<br />

engenharia civil fora de Manaus, você vai ficar e estudar direito. Você é muito inteligente e pode<br />

ser bom no que quiser. Fique aqui e tome conta <strong>do</strong>s nossos negócios — disse-lhe.<br />

Papai ainda não podia medir as implicações daquela decisão, mas não tinha a menor dúvida<br />

que alteraria completamente o seu futuro. Mas não havia escolha, e ele sabia disso. Não adiantava<br />

muito trazer o assunto para o plano da meditação ou sugerir a necessidade de mais tempo para<br />

pensar. A resposta tinha de ser imediata e ele sabia que era apenas uma questão de consentir com<br />

o prudente e <strong>do</strong>lori<strong>do</strong> veredicto paterno. Quanto ao mais, era torcer para que a existência<br />

conspirasse a seu favor, de algum mo<strong>do</strong>.<br />

— É claro que sim, paizinho. O senhor sabe que pode contar comigo para o que o senhor ou<br />

mamãe vierem a precisar — meu pai respondeu.<br />

O cansa<strong>do</strong>, mais cansa<strong>do</strong> <strong>do</strong> que velho, João <strong>Fábio</strong>, foi logo passan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> para ele: como<br />

funcionava o esquema; quem era de confiança e quem não era; quem pagava e quem jamais<br />

pagava; quem ele sempre atendia e quem eram aqueles para os quais o tratamento tinha de ser<br />

meramente comercial. Ao final daquele rápi<strong>do</strong> curso de gerenciamento de seringal, o rapaz foi<br />

envia<strong>do</strong> na primeira embarcação disponível que saiu para o alto Purus.<br />

Começaram ali os mais fascinantes e profun<strong>do</strong>s anos de sua juventude. Entregue à solidão<br />

<strong>do</strong>s rios e imerso em longas e intermináveis leituras e meditações, às vezes ele viajava dez dias<br />

para chegar ao porto, onde ainda precisava apanhar uma canoa para remar mais um dia inteiro até<br />

alcançar o lugar que tinha de visitar e ver como estavam os negócios. Foi ali, naquela paisagem<br />

bucólica, repleta de nostalgia e silêncio, que ele aprendeu o valor de se fazer acompanhar de si

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