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tu<strong>do</strong> o que eu queria era seguir a Cristo, ser discípulo Dele. Mas como é que eu estaria daí a<br />
alguns meses ou uns poucos anos? Será que aquilo não era apenas o fruto <strong>do</strong> me<strong>do</strong> de ficar<br />
possuí<strong>do</strong> por forças <strong>do</strong> inferno? Era fuga? Ou quem sabe apenas uma resposta de minha<br />
memória religiosa, infantil, aos dramas <strong>do</strong> momento. E as drogas? E os amigos? Como é que eu<br />
viveria essa vida de crente? Será que teria que encaretar de vez? E as gatinhas? Eu gostava<br />
alucinadamente de mulheres. Será que depois de alguns meses eu não entraria em crise e jogaria<br />
tu<strong>do</strong> para o alto apenas para não me privar <strong>do</strong>s prazeres sexuais e da promiscuidade da qual tanto<br />
me orgulhara? Enfim, foi um sentimento terrível e que se comprimiu em mim como se tu<strong>do</strong> isso<br />
tivesse esta<strong>do</strong> ali, perturban<strong>do</strong>-me, por muito tempo. Mas foram, de fato, apenas alguns<br />
segun<strong>do</strong>s de questionamento.<br />
— <strong>Caio</strong> <strong>Fábio</strong>, meu filho, não vai ser nada fácil. Mas em Cristo você vai conseguir — disse<br />
papai, como se adivinhasse o tufão de questões que se alvoroçavam dentro de meu peito.<br />
— O que você acha que vai ser difícil, filho? — mamãe perguntou, ten<strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong> a palavra de<br />
papai desde o início.<br />
— A mulherada, mãe. As mulheres serão, sem dúvida, a pior luta que terei. Eu estou<br />
acostuma<strong>do</strong> demais a sair com muitas mulheres diferentes. Eu não consigo ficar sem sexo. Eu<br />
não sei como é que vai ser — eu respondi com toda sinceridade.<br />
— Olha filho, a tentação é como um animal. Se você der comida pra ele, ele cresce. Se não<br />
der, ele definha. Nunca morre, mas enfraquece muito dentro da gente — papai afirmou, como se<br />
eu soubesse como é que a gente não alimenta a fera que vive em nós. Eu não sabia nem como<br />
conseguir vontade para enfrentar aquilo, quanto mais força suficiente para desenvolver<br />
resistência interior para não alimentar minhas tentações.<br />
— Mas comé que a gente não alimenta o bicho que vive dentro da gente, pai? — era o que eu<br />
mais queria saber. — Eu não quero mais viver <strong>do</strong> jeito que tenho vivi<strong>do</strong>, mas também não quero<br />
deixar de fazer essas coisas só porque eu me acorrentei a esse pé de castanhola que tem aqui na<br />
frente de casa. Se for assim, vai ser um inferno. Eu quero parar numa boa. Sem desespero.<br />
Papai me olhou com um ar inesquecível de amizade e compromisso com a minha vida.<br />
— Se você quer vencer, você vai vencer. Deus nunca nos dá tentações maiores que as forças<br />
que ele também nos dá para resistir. Para matar a carne, a gente deixa de dar comida a ela. E para<br />
alimentar o espírito, a gente dá de comer a ele. Por isso, se você quiser, nós vamos começar a<br />
jejuar, você e eu, juntos. Assim nós vamos enfraquecer a carne. E com a leitura disciplinada da<br />
Palavra de Deus e com as orações, meditações e preces, nós vamos alimentar o espírito — ele<br />
concluiu e ficou aguardan<strong>do</strong> a minha reação.<br />
Completamente distante <strong>do</strong> convívio emocional de minha casa por mais de quatro anos, eu<br />
não sabia mais quem meus pais eram, como seres humanos. Entre outras coisas, eu não sabia que<br />
papai se tornara uma espécie de monge cristão <strong>do</strong> asfalto. Alguns anos após sua conversão<br />
evangélica, ele havia desenvolvi<strong>do</strong> disciplinas espirituais incríveis. Dentre elas, o jejum. Entregue<br />
ao prazer de jejuar, ele ficava longos perío<strong>do</strong>s semanais de abstenção alimentar radical. Às vezes,<br />
ficava até cinco dias sem comer nem beber nada. Apenas se isolava e orava com paixão e<br />
intensidade.<br />
— Eu quero aprender tu<strong>do</strong> isso. O senhor me conhece e sabe que eu não faço nada pela<br />
metade. Se é pra ir com Deus, então vamos até o fim. Eu gosto de ir pra valer. Me ajude, por favor<br />
— foi minha resposta e meu pedi<strong>do</strong> de socorro.<br />
Após aquela conversa, papai orou e pediu a Jesus que não deixasse mais aquelas forças <strong>do</strong><br />
inferno se apoderarem de mim. Em seguida, nos abraçamos e nos beijamos. Toda a família veio<br />
me beijar. Chorei como se estivesse voltan<strong>do</strong> de uma longa e perversa viagem, retornan<strong>do</strong> a um<br />
lar que eu achava que já não era meu, mas que, estranhamente, continuava a me pertencer.