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Confissões do pastor - Caio Fábio

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forçava a fazer um percurso de seis quilômetros de ida e volta.<br />

Como papai chegou à escola um pouco fora da idade, sua maior dificuldade foi ter de lidar<br />

com a estupidez de certos mestres, que perdiam a paciência quan<strong>do</strong> viam meninos mais novos<br />

saben<strong>do</strong> mais que ele e, em vez de procurarem saber o que havia aconteci<strong>do</strong>, simplesmente<br />

diziam: “Menino, é impressionante como você é burro. Será que não tem vergonha de saber<br />

menos <strong>do</strong> que esses outros colegas que são menores que você?”<br />

Ora, aquelas perversas observações poderiam ter ti<strong>do</strong> um poder terrivelmente devasta<strong>do</strong>r<br />

para ele. Entretanto, o efeito foi o oposto. <strong>Caio</strong> decidiu que nunca mais na vida ouviria nada igual.<br />

Como ele não poderia ser o melhor nas aptidões físicas, seria o mais destaca<strong>do</strong> na área<br />

intelectual. Assim que adquiriu um pouco mais de desenvoltura na leitura e nos básicos da<br />

aritmética, nunca mais deixou de ser o primeiro de qualquer turma, para o resto de sua vida.<br />

As marcas mais preponderantes da personalidade de papai foram perseverança e<br />

autoconfiança. Vovô sempre dizia a ele: “Meu filho, não há nada neste mun<strong>do</strong> que você não possa<br />

fazer. Nunca deixe que nenhum limite tire de você a ambição da auto-superação.”<br />

Foi por isto que papai se destacou em tu<strong>do</strong> o que pôde competir de igual para igual e se<br />

superou em tu<strong>do</strong> aquilo que os outros consideravam ser para ele uma impossibilidade.<br />

Aprendeu a nadar, a cavalgar, a subir em árvores, a lutar lutas de chão — especialmente se<br />

utilizan<strong>do</strong> <strong>do</strong>s rudimentos <strong>do</strong> jiu-jítsu, recém-trazi<strong>do</strong> para o Amazonas por alguns curiosos — e,<br />

sobretu<strong>do</strong>, aprendeu a dirigir qualquer coisa, mesmo sem a adaptação <strong>do</strong> veículo à sua condição<br />

de aleija<strong>do</strong>, o que era uma verdadeira façanha para um rapaz sem qualquer movimento na perna<br />

direita.<br />

Para ele, o desafio mais difícil talvez estivesse na área <strong>do</strong> relacionamento com o sexo oposto. A<br />

preocupação de seu pai era como <strong>Caio</strong> se relacionaria com as meninas. Desejoso que não se<br />

frustrasse, vovô <strong>Fábio</strong> dizia-lhe que quan<strong>do</strong> o verdadeiro amor chega, as deficiências se<br />

transformam todas em virtudes. Mas o jovem <strong>Caio</strong> <strong>Fábio</strong> não parecia precisar desse<br />

condicionamento psicológico para se afirmar em relação às beldades de seus dias.<br />

Às vezes, quan<strong>do</strong> ia da escola para casa, andan<strong>do</strong> sob o sol causticante <strong>do</strong> eterno verão <strong>do</strong><br />

Amazonas, arrastan<strong>do</strong>-se ao embalo de sua pesada muleta, ele via as meninas se juntarem sobre o<br />

estreito espaço das janelas <strong>do</strong>s velhos casarões ergui<strong>do</strong>s rente à rua, a fim de verem-no passar.<br />

Não foram poucas as ocasiões em que ele lembra de ter chega<strong>do</strong> perto da janela, e ouvir as<br />

meninas impie<strong>do</strong>samente falarem alto, umas para as outras, alguma coisa como: “Puxa, que<br />

pena! Um garoto tão bonitinho, mas aleija<strong>do</strong> que nem um caranguejo.” Quan<strong>do</strong> ele me contou<br />

isso pela primeira vez, eu perguntei:<br />

— E como é que você se sentia?<br />

Nunca esqueci sua resposta, que muitas vezes me volta à memória, especialmente nos<br />

momentos em que tenho precisa<strong>do</strong> enfrentar a indiscrição ou mesmo a postura preconceituosa<br />

de muitos que passam pelo meu caminho.<br />

— É, menina, você só está dizen<strong>do</strong> isso porque você não sabe como caranguejo é gostoso.<br />

E foi assim que, de um mo<strong>do</strong> ou outro, ele seguiu dan<strong>do</strong> suas respostas às freqüentes<br />

tentativas que a vida lhe fazia de nele semear as sementes da inferioridade e, assim, roubar-lhe a<br />

chance de escrever sua própria história.<br />

<strong>Caio</strong> nunca se sentiu em desvantagem diante da vida. Ao contrário, no fun<strong>do</strong>, no fun<strong>do</strong>,<br />

achava que Deus dera a ele uma bênção extraordinária, fazen<strong>do</strong>-o nascer numa família feita de<br />

gente tão humana e intelectualmente perspicaz, como seu pai e sua mãe. Além disso, achava que<br />

sua perna morta era apenas um detalhe em alguém tão inteligente e forte como ele.<br />

Uma boa auto-imagem é a melhor auto-ajuda!

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