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Confissões do pastor - Caio Fábio

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vestidas de saia vermelha e usan<strong>do</strong> penas de galinha na cabeça, com seus filhos pendura<strong>do</strong>s em<br />

suportes de palha na parte lateral de suas costas. Elas andavam rápi<strong>do</strong>, balançan<strong>do</strong> os seios nus.<br />

As crianças corriam euforicamente, como se estivessem in<strong>do</strong> ao melhor lugar deste planeta. E os<br />

homens pareciam lordes ingleses. Com a cabeça completamente branca de penas de pintinhos<br />

coladas ao cabelo com óleo de madeira, ostentavam algum tipo de aparato especial. Podia ser uma<br />

sandália de borracha que a FUNAI lhes dera, uma camisa branca ou um prende<strong>do</strong>r especial de<br />

cabelo. Calças, só alguns deles tinham. A maioria vestia tanga ou pequenos calções. E o som <strong>do</strong><br />

chifre não parava de convocá-los ao lugar central da aldeia.<br />

O templo para o qual to<strong>do</strong>s nós nos dirigimos era uma obra de arte indígena. To<strong>do</strong> feito de<br />

troncos e galhos de árvores, era re<strong>do</strong>n<strong>do</strong> e mantinha-se solidamente construí<strong>do</strong>, uma vez que<br />

todas as suas intercessões eram amarradas com cipó. Os bancos eram de madeira roliça,<br />

amarradas umas às outras nas extremidades, também com cipó. Ali não havia um único prego. Na<br />

direção para a qual to<strong>do</strong>s os bancos estavam arruma<strong>do</strong>s e bem finca<strong>do</strong>s no chão, havia uma mesa<br />

de troncos. Atrás dela também havia bancos para cerca de dez pessoas se sentarem.<br />

O culto começou sem nenhum sinal especial. O Araca leu um texto bíblico e alguém iniciou<br />

espontaneamente o hino. Depois outra pessoa leu mais uma passagem das Escrituras. E mais<br />

hinos puxa<strong>do</strong>s ao sabor da poesia das almas que ali se reuniam. Eles fizeram isso por quase duas<br />

horas, sem direção e sem interrupção. Depois o Araca perguntou quem tinha alguma palavra de<br />

testemunho de fé a dar. Vários levantaram as mãos e to<strong>do</strong>s falaram, um de cada vez. Por fim, o<br />

cacique pediu a palavra. Araca chamou-o e perguntou <strong>do</strong> que se tratava. Ouviu a explicação e só<br />

depois disso passou a palavra ao governa<strong>do</strong>r local.<br />

— É que eu pequei e quero pedir perdão à Igreja. Eu dei mal exemplo como crente de<br />

KorinKomam e como cacique. Quero saber se posso ser per<strong>do</strong>a<strong>do</strong>? — ele falou, enquanto<br />

Manoel traduzia para mim.<br />

Os oito <strong>pastor</strong>es conversaram rapidamente, e então Araca se levantou.<br />

— Você é nosso líder e nós respeitamos você. Mas o que você fez foi erra<strong>do</strong>. Se você está<br />

arrependi<strong>do</strong>, nós per<strong>do</strong>amos. Agora, não pode mais fazer assim. Pode voltar à Igreja. Hoje<br />

também pode tomar a comida de Cristo — disse o <strong>pastor</strong> com meiguice e autoridade.<br />

Ao meio-dia eles introduziram os elementos da Eucaristia: beiju de mandioca com<br />

castanha-<strong>do</strong>-pará e vinho de bacaba. Era o mais fascinante serviço eucarístico que eu já vira na<br />

vida. Os cálices nos quais o vinho era servi<strong>do</strong>, feitos da casca seca de uma fruta local que os<br />

amazonenses chamam de cuia, não eram mais <strong>do</strong> que uns seis. Nós, entretanto, éramos quase<br />

quatrocentos. Assim, fiquei feliz por ser o oitavo a receber o cálice, pois ainda deu para achar uma<br />

ponta que não tivesse si<strong>do</strong> bicada. Olhei para trás e imaginei como aquele cal<strong>do</strong> estaria quan<strong>do</strong> a<br />

cuia chegasse lá atrás.<br />

Somente às 13 horas eles me passaram a palavra. Abri o livro <strong>do</strong> Apocalipse e li:<br />

“Digno és de tomar o Livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com teu sangue<br />

compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação, e para o nosso Deus os<br />

constituíste reino e sacer<strong>do</strong>tes; e reinarão para sempre.”<br />

Meu intérprete estava vestin<strong>do</strong> uma camisa branca de baba<strong>do</strong>s, novinha, que eu lhe dera. Eu<br />

jamais vestira aquela camisa, mas quan<strong>do</strong> ele a viu, seus olhos brilharam. “Você quer?”,<br />

perguntei. Ele nem respondeu, foi logo estenden<strong>do</strong> a mão e pegan<strong>do</strong>. E quan<strong>do</strong> eu o vi de peito<br />

incha<strong>do</strong> ali ao meu la<strong>do</strong>, percebi que, para ele, aquele momento era história pura. Talvez aquilo<br />

fosse o equivalente à posse de um presidente da República, para nós. O fato é que Manoel não se<br />

continha de felicidade por estar me interpretan<strong>do</strong> justamente na hora em que o Livro iria ser<br />

aberto. Peguei o Livro Vermelho, que era o Novo Testamento em yscariana, e disse:<br />

— O filho de KurinKumam veio a este mun<strong>do</strong> para nos livrar de todas as coisas que nos

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