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morrer aos 33 anos, como Jesus.<br />
A vida já me deu um crédito de mais de dez anos. Só que agora, quanto mais vivo, mais longe<br />
gostaria de ir. E tem mais: se eu fosse o seu Araujinho, não teria deita<strong>do</strong> naquela rede, lá no rio<br />
Purus, embalan<strong>do</strong>-me nela até morrer. Tenho dentro de mim uma presença alien que meu<br />
bisavô parece não ter conheci<strong>do</strong> com clareza. A presença <strong>do</strong> Espírito Santo faz nascer na gente<br />
uma vontade enorme de viver, e viver, e viver.<br />
Um dia desses eu estava dentro das águas azuis <strong>do</strong> mar que se derrama sobre a costa de Boca<br />
Raton, na Flórida. As ondas estavam relativamente encapeladas. Iam e vinham, naquela dança<br />
líquida inimitável. Gaivotas e pelicanos voavam sobre minha cabeça. Tu<strong>do</strong> em volta parecia<br />
absolutamente irreal, tamanha era a beleza natural. De repente percebi que aquilo, sim, era mais<br />
que real. Irrealidade é essa vida de vaidades, sejam elas religiosas, políticas, intelectuais, plásticas<br />
ou de qualquer outro tipo, de cujos “espíritos” temos esta<strong>do</strong> quase to<strong>do</strong>s “possessos”.<br />
As ondas se alternavam: umas grandes, outras pequenas. De súbito, uma enorme. Mergulhei<br />
dentro dela e saí <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong>.<br />
“Jesus, só Tu sabes que ondas ainda virão sobre mim, se serão grandes, pequenas ou enormes<br />
vagalhões. Não quero saber o que me aguarda. Peço apenas que Tu me livres de meu pior inimigo,<br />
e este, Senhor, não são os poderosos deste mun<strong>do</strong> e nem o diabo. Eu sou a pessoa com maior poder<br />
de destruir aquilo que com tanta paixão eu mesmo venho edifican<strong>do</strong>. Assim, Senhor, não apenas<br />
livra-me <strong>do</strong> mal, mas livra-me de mim, pois ninguém pode fazer mais mal a mim <strong>do</strong> que eu<br />
mesmo”, falei com Deus em meio a lágrimas de confissão e, ao mesmo tempo, de entrega à Graça<br />
Divina.<br />
É difícil terminar um livro como este. Estou olhan<strong>do</strong> para trás e tentan<strong>do</strong> descobrir quais são<br />
as imagens simbólicas mais fortes de toda a minha existência até aqui. Descubro que minha alma<br />
tem <strong>do</strong>is grandes sacramentos: uma árvore encantada e uma casinha de compensa<strong>do</strong>. A primeira<br />
me segue desde que a mangueira <strong>do</strong> quintal da vovó virou Sarça Ardente. Sei que encontrarei a<br />
sua versão final naquela Árvore da Vida, que me está prometida no livro <strong>do</strong> Apocalipse.<br />
Já a casinha, essa nunca me deixou. Eu a carrego comigo desde os cinco anos. Meu pai a<br />
colocou nos meus ombros. Ela cresce, encolhe e toma formas diferentes. Nela, todavia, sempre<br />
encontro meus amores e meus filhos da alma. A sensação que me dá é a de que construirei casas<br />
imaginárias até o último dia de minha vida, quan<strong>do</strong> então irei morar com Aquele que disse: “Na<br />
casa de meu Pai há muitas moradas... Eu irei preparar-vos lugar... Eu voltarei.”<br />
Viver esses poucos anos neste planeta me tem si<strong>do</strong> uma experiência apaixonante. Amo ser um<br />
humano. Gosto de existir. Cada dia, a cada sabor que os momentos trazem, vejo-me mais<br />
seduzi<strong>do</strong> pelas possibilidades de ser quem eu posso ser, ainda. Mesmo quan<strong>do</strong> mergulho nas<br />
minhas memórias mais escuras e plenas de ambigüidades, ainda aí e nelas encontro a certeza de<br />
que, sen<strong>do</strong> quem sou e carregan<strong>do</strong> as emoções humanas que carrego, teria si<strong>do</strong> quase impossível<br />
existir de outro mo<strong>do</strong>. Nesse caso, o milagre da conversão é ainda mais profun<strong>do</strong>, pois, se assim<br />
é, conversão não é apenas uma mudança de história, mas, sobretu<strong>do</strong>, a invasão da Graça Divina,<br />
penetran<strong>do</strong> as teias de nossa intimidade e nos fazen<strong>do</strong> desabrochar de dentro para fora, não para<br />
uma outra existência, mas para o melhor de nossa possibilidade existencial, levan<strong>do</strong> em<br />
consideração quem somos. E o que somos se engra-vida com a graça de Deus, fazen<strong>do</strong> com que<br />
nossa vida encontre em Cristo a melhor variável de nós mesmos. E esta é a vida que vale ser, pois<br />
é vida Nele.<br />
Percebo que lateja em mim uma paixão constante. Com ela tenho passa<strong>do</strong> pela cadeia <strong>do</strong>s<br />
momentos que formam minhas horas, dias, semanas, meses e anos. Disse minhas, fazen<strong>do</strong> alusão<br />
ao tempo, pois cada pessoa tem o seu tempo. E os mais felizes são os que sabem que o tempo é<br />
nosso, não de Deus. O tempo é dádiva divina aos mortais. É essa paixão de viver que me dá esse