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Confissões do pastor - Caio Fábio

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Retornei a Copacabana sem saber o que fazer. Mas tão logo voltei, Neto me disse que Zé<br />

Curió estava chegan<strong>do</strong> de Manaus. Fui ao aeroporto buscá-lo e vi meu amigo entrar em<br />

Copacabana com o ar de reverência com o qual os inicia<strong>do</strong>s adentram os santuários mais<br />

sagra<strong>do</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Para nós, amazonenses, aquele era o santo <strong>do</strong>s santos da alucinação e das<br />

vaidades.<br />

Zé dançou na calçada, saltou e correu como louco pelas ruas, gritan<strong>do</strong>: “Eu não quero nem<br />

saber quem morreu, eu quero é chorar.”<br />

Com a chegada de Zé, minha vocação para a galinhagem retornou imediatamente. Logo<br />

descobrimos que Ipanema e Copa estavam cheios de garotinhas <strong>do</strong> Sul, perdidas, queren<strong>do</strong><br />

qualquer tipo de aventura. Fizemos nossa cama ali. E como o dinheiro estava curto, começamos<br />

não só a usá-las para nosso consumo pessoal, mas passamos também a “alugá-las”, na esquina da<br />

Aires Saldanha com a Bolívar, para os coroas que passavam de carrão.<br />

A nossa vida não podia ser mais contraditória. Vivíamos como loucos — nas drogas e na cama<br />

com as meninas —, mas não deixávamos de la<strong>do</strong> as disciplinas físicas impostas por nosso guru,<br />

Neto.<br />

Na praia conhecemos as figuras mais folclóricas e extravagantes que poderiam existir. Aquilo<br />

tu<strong>do</strong>, para nós, era como um curso de antropologia aplicada às esquisitices da urbanidade. Era<br />

fascinante mergulhar na multiplicidade de experiências e percepções <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que ali havia.<br />

Naquele mês de dezembro de 1972 aprendi, em Copacabana, por que garotões como eu<br />

entravam para a academia <strong>do</strong>s Gracie. Havia gente de to<strong>do</strong>s os níveis por lá: médicos, advoga<strong>do</strong>s,<br />

policiais, porteiros de edifício e empresários. Mas a moçada mais jovem entrava para a academia<br />

para aprender a quebrar a cara <strong>do</strong>s outros em briga de rua. Naquele perío<strong>do</strong>, em apenas quatro<br />

meses participamos em mais de 15 brigas de rua. Em duas delas, até um grupo de choque <strong>do</strong><br />

Exército foi chama<strong>do</strong>.<br />

A primeira vez foi quan<strong>do</strong> quebramos to<strong>do</strong> o New Jirau, no dia de sua reinauguração, após um<br />

incêndio que lá havia aconteci<strong>do</strong>. No meio <strong>do</strong> quebra-quebra, ouviu-se o grito: “Um batalhão de<br />

choque chegou.” Aí nos espalhamos pelas ruas de Copacabana, fugin<strong>do</strong> <strong>do</strong>s militares.<br />

Na outra ocasião, fui eu o objeto <strong>do</strong> conflito. Ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> convida<strong>do</strong> por um certo Batata para<br />

uma festa na rua Toneleros, fui e entrei, sem querer saber onde estava e quem eram os <strong>do</strong>nos <strong>do</strong><br />

luxuoso apartamento. To<strong>do</strong>s usavam roupas elegantes e a coisa parecia ser de altíssimo nível. Eu,<br />

entretanto, estava de macacão francês, cola<strong>do</strong> ao corpo magro e musculoso, sem camisa por<br />

baixo, fazen<strong>do</strong> questão de expor minha sensualidade o mais que pudesse. Como vi uma mulher<br />

loira, de uns 28 anos, sozinha no meio da sala, fui lá e comecei a dizer o quão linda era ela, que<br />

sorriu com um ar de contentamento diante de um galanteio tão imediato e descara<strong>do</strong>. Foi quan<strong>do</strong><br />

seu mari<strong>do</strong> chegou, pegou-me pelo braço e começou a querer me expulsar da sala. Eles eram<br />

muitos e eu estava sozinho naquele ambiente estranho. Peitei o homem e depois me retirei<br />

fazen<strong>do</strong> ameaças.<br />

Quan<strong>do</strong> cheguei ao Cabral 1500, nosso ponto de encontro, contei o episódio para Curió e<br />

Ricardinho. Em poucos minutos uns quarenta rapazes da academia já estavam mobiliza<strong>do</strong>s para a<br />

guerra. Fomos lá e cercamos o prédio. Até às duas da manhã ninguém saiu da festa. Ficaram<br />

saben<strong>do</strong> e recolheram-se lá dentro. Mas como um <strong>do</strong>s presentes era <strong>do</strong> serviço de segurança <strong>do</strong><br />

exército, chamou um choque da PE. Não demorou e estávamos cerca<strong>do</strong>s de solda<strong>do</strong>s arma<strong>do</strong>s.<br />

Corremos pelas ruas escuras e desaparecemos pelo bairro Peixoto.

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