23.04.2013 Views

Confissões do pastor - Caio Fábio

Confissões do pastor - Caio Fábio

Confissões do pastor - Caio Fábio

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

na hora. Os desabafos aconteceriam. Neto então chegaria e diria que não faria nada porque não<br />

era covarde, mas que Curió estava autoriza<strong>do</strong> a representá-lo em qualquer enfrentamento. Aí<br />

seria fácil.<br />

Ninguém jamais vira Zé lutan<strong>do</strong> — ou melhor, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> sabia que ele não era de sair no<br />

pau. Era <strong>do</strong> tipo baixinho, entroncadinho, de cabelos encaracola<strong>do</strong>s e se gabava de só se “atracar<br />

com mulher”, e bonita. “Se você me encontrar agarra<strong>do</strong> a uma mulher feia, desaparta que é<br />

briga”, era o que ele sempre dizia.<br />

O grande pulo <strong>do</strong> gato era que quase ninguém sabia que Zé estava sen<strong>do</strong> exaustivamente<br />

treina<strong>do</strong>, assim como eu, várias horas por dia, por mais de três meses. Enfim, havíamos fica<strong>do</strong><br />

bons naquilo, e nem nós sabíamos o quanto.<br />

Cheguei ce<strong>do</strong> ao Mingau. Naquele tempo eu vestia sempre um macacão italiano, to<strong>do</strong><br />

borda<strong>do</strong> de flores. Além disso, já fazia alguns meses que eu andava sempre com um chapéu preto,<br />

tipo cone, que me dava um toque de bruxo. Como estava nervoso, já cheguei de cabeça feita. Mas<br />

a ansiedade era tanta, que resolvi intensificar a loucura. Por isso, tomei também umas e outras e<br />

tentei aparentar frieza.<br />

Alipinho apareceu na esquina com uma loira linda, chamada Diná, por quem ele era<br />

eternamente enamora<strong>do</strong>. Conversaram um pouco e ela saiu. Ele ergueu o braço, fez o sinal hippie<br />

<strong>do</strong> V de paz e amor e atravessou a rua até a ilha de cimento que havia no meio da avenida Eduar<strong>do</strong><br />

Ribeiro, onde eu estava encosta<strong>do</strong> num carro.<br />

Logo muitos outros chegaram. Quan<strong>do</strong> o ambiente já estava carrega<strong>do</strong> de gente e o papo já<br />

era “quem era quem na hora <strong>do</strong> vamos ver”, eu provoquei.<br />

— Não há nesse mun<strong>do</strong> nada e nem ninguém que agüente enfrentar um luta<strong>do</strong>r como o<br />

Neto. O problema é que ele não aceita brigar com gente que não seja <strong>do</strong> nível dele — disse com<br />

veneno, olhan<strong>do</strong> para Alipinho.<br />

— Num sei não, bicho, acho o Neto muito bom no chão. O problema vai ser ele chegar perto<br />

dum cara como eu. Se me pegar, ferrou pra mim. Mas se eu chutar a cara dele antes, arrebento<br />

com ele — gabou-se Pinho, confian<strong>do</strong> no fato de que seu professor de caratê dizia que o chute<br />

dele era um <strong>do</strong>s mais fortes da cidade.<br />

Nesse momento, Neto apareceu sem camisa. An<strong>do</strong>u pausadamente e entrou pelo meio <strong>do</strong><br />

grupo, que se abriu num corre<strong>do</strong>r humano, como que ensaia<strong>do</strong> para a hora. Alipinho ficou páli<strong>do</strong><br />

e seus lábios tremeram. Então Zé Curió veio subin<strong>do</strong> e fazen<strong>do</strong> suas acrobacias na moto 450<br />

Honda. Ninguém falava nada.<br />

— E aí, o que qui vocês tavam conversan<strong>do</strong>? Seu Caião, qual era o papo? — indagou como<br />

quem já sabia o que iria ouvir.<br />

Com a bola quican<strong>do</strong> na minha área, foi fácil chutar. Entreguei Pinho sem piedade. To<strong>do</strong>s<br />

estavam gela<strong>do</strong>s. Alguns amigos de infância de Alipinho, como Muchacho, tinham dito que se<br />

Neto fizesse alguma covardia contra o rapaz, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> iria entrar na briga, mesmo que fosse<br />

para apanhar.<br />

Quan<strong>do</strong> eu entreguei meu antes-melhor-amigo, Neto continuou:<br />

— Eu não preciso provar nada a ninguém. Mas posso provar o que estou falan<strong>do</strong> por meio de<br />

seu Zé. Cês to<strong>do</strong>s sabem que ele num é de briga. Mas seu Zé tá aí, pronto pra mostrar quem é<br />

homem e quem num é aqui nessa joça.<br />

Mal ele falou isso, Zé pulou da moto e an<strong>do</strong>u na direção <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r humano. Pinho estava lá<br />

no fun<strong>do</strong>, em posição de defesa. Vestia uma calça de cetim preta e uma camisa metade amarela,<br />

metade preta. Estava pronto, porém morren<strong>do</strong> de me<strong>do</strong>. No entanto, quan<strong>do</strong> ouviu que era o Zé<br />

que estava sen<strong>do</strong> ofereci<strong>do</strong> para a peleja, deu uma risadinha cínica que ele sempre usava para<br />

gozar das pessoas com alguma provocação, mas que quem o conhecia sabia que ali não havia

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!