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Confissões do pastor - Caio Fábio

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para aconselhar as forças armadas — brinquei.<br />

— O general vai receber os senhores — disse o ordenança. Rubem entrou na frente, segui<strong>do</strong><br />

de Zuenir.<br />

— Eu estou acompanhan<strong>do</strong> o senhor — foi logo dizen<strong>do</strong> o general Mei e apontan<strong>do</strong> para<br />

mim, que vinha atrás <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is amigos. — Ele sobe os morros de noite, sem segurança. Não tem<br />

me<strong>do</strong>. Estou impressiona<strong>do</strong> — prosseguiu Mei. — Ontem eu vi o senhor no Fantástico. Escute,<br />

aquele homem que parou vocês e não queria ser filma<strong>do</strong>. Ele estava arma<strong>do</strong>, não? É um deles, não<br />

é? — indagou o general sem nem nos deixar sentar.<br />

— Estava sim, mas não nos ofereceu maiores resistências — falei.<br />

— Eu tenho uma proposta a lhe fazer. Será que o senhor não poderia usar a sua rede de<br />

igrejas para mapear essas favelas pra nós? Vocês entram, olham tu<strong>do</strong> e depois contam pra gente<br />

— disse o general de mo<strong>do</strong> tão direto, franco, simples e ingênuo, que me assustou. Fiquei mu<strong>do</strong><br />

uns dez segun<strong>do</strong>s. Quem me conhece bem sabe que, para mim, tal fração de tempo é uma<br />

eternidade quan<strong>do</strong> significa prazo para responder qualquer coisa.<br />

— Não daria não, general. O <strong>pastor</strong> perderia completamente a isenção e o respeito se ele<br />

fizesse isso. São ações diferentes. A <strong>do</strong> senhor tem um objetivo, a dele tem outro — disse Rubem<br />

César, livran<strong>do</strong>-me pessoalmente <strong>do</strong> embaraço de ter de dizer ao general a mesma coisa.<br />

— Não daria certo, com certeza — disse o general Sena, comandante da Operação Rio. Daí<br />

em diante, entramos no assunto que ali nos levara.<br />

— General, invadir as favelas não dá nenhum resulta<strong>do</strong>. É só festa pra mídia. O que poderia<br />

ajudar seria uma operação de reforço de policiamento nas ruas, mas, sobretu<strong>do</strong>, se as forças<br />

armadas pudessem exercer um papel de articulação entre as diversas polícias <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> e <strong>do</strong> nível<br />

federal. Tá tu<strong>do</strong> aberto. As drogas e as armas entram pelos imensos buracos que existem nas<br />

divisas, e o aeroporto <strong>do</strong> Rio é um queijo suíço — disparou Rubem.<br />

— Eu também não acredito nessa pirotecnia. Isso é apenas parte de uma estratégia. Mas sei<br />

que não dá resulta<strong>do</strong>s em si — disse o general Sena.<br />

— O problema, general, é que essas ações são tão enfatizadas pelos senhores, que dá a<br />

impressão de que são as únicas coisas que os senhores têm pra fazer em relação ao combate ao<br />

tráfico de drogas e armas — falei com igual intensidade.<br />

— O agravante é que a mídia está gostan<strong>do</strong> disso no início, mas logo vai começar a cobrar<br />

resulta<strong>do</strong>s mais objetivos. E a operação, até aqui, não tem muito a mostrar — disse Zuenir <strong>do</strong> alto<br />

de sua vastíssima experiência como repórter.<br />

— Os senhores estão bem com a mídia. Poderiam pedir para que fossem mais pacientes com<br />

a gente — pediu com um tom impositivo o general.<br />

— Eles estão aí embaixo e esperam que na saída a gente diga alguma coisa. O que é que a<br />

gente pode dizer, general? — perguntou Rubem César.<br />

Daquele ponto em diante, a conversa ficou mais objetiva. Conversamos por mais de uma hora<br />

e fizemos inúmeras sugestões no senti<strong>do</strong> de tirar a Operação Rio <strong>do</strong> nível <strong>do</strong> humilhante show<br />

militar para algo mais prático e inteligente.<br />

Depois, descemos ao pátio e conversamos com os repórteres, mas não havia muito a dizer.<br />

— O general vai estudar a possibilidade de impedir a entrada de armas compradas em<br />

Miami, que chegam aqui sem controle — disse Rubem. — Ah! Anotem. Ele prometeu que não vai<br />

haver o dia D. Não vai haver dia de confronto, que era o que nós to<strong>do</strong>s temíamos — concluiu.<br />

Quanto ao mais, os repórteres queriam saber de mim como as favelas estavam reagin<strong>do</strong> e se<br />

nós já tínhamos recebi<strong>do</strong> armas <strong>do</strong>s bandi<strong>do</strong>s. Desconversei, pois não podia dizer o que estava<br />

acontecen<strong>do</strong> naquele particular. Então, voltei para o meu escritório em Niterói.<br />

— Reveren<strong>do</strong>, tem um homem na linha que quer falar com o senhor e não quer se

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