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Confissões do pastor - Caio Fábio

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Capítulo 52<br />

“Fazes com que eu conheça uma extraordinária plenitude de vida interior, na qual<br />

experimento misteriosa <strong>do</strong>çura, que, se chegasse à perfeição, não sei o que seria,<br />

porque nesta vida não poderia suportar.”<br />

Santo Agostinho, <strong>Confissões</strong><br />

Amanheci o dia 6 de janeiro de 1995 com um estranho pressentimento. A sensação era de<br />

que naquele dia minha vida seria tocada por algo inusita<strong>do</strong>, como se um anjo fosse me encontrar<br />

na rua ou me beijar o rosto.<br />

Cheguei ao meu escritório às oito e meia da manhã e pouco mais de quarenta minutos depois<br />

comecei a sentir algo estranho. Era um calor que eu nunca experimentara. Meus lábios, peito e<br />

alma ardiam com um fogo que jamais me queimara antes. Eu estava a ponto de desmaiar. Minha<br />

cabeça rodava e meu coração galopava. Era como se eu estivesse completamente seduzi<strong>do</strong> por um<br />

amor divino que fora sempre meu, mas que até aquele dia eu não sabia que existia com aquela<br />

intensidade. No entanto, a mera percepção daquela forma de amar o sagra<strong>do</strong> me deprimia, ao<br />

mesmo tempo em que me possuía. Aquilo iria passar. Não era meu privilégio manter aquele fogo<br />

vivo dentro de mim. Ele estava ali, mas não era meu.<br />

“Oh, Deus! Por que Tu me deixas sentir isto e não me dás garantia de que isto viverá pra<br />

sempre em mim?”, orei em <strong>do</strong>ce aflição.<br />

A síntese daquele momento era de pura mística e cheia de indizível complexidade. O que de<br />

mais próximo posso chegar ao tentar descrever aquela hora é da experiência <strong>do</strong> nascimento e da<br />

morte, acontecen<strong>do</strong> ao mesmo tempo. Ou talvez seja como ter o de<strong>do</strong> corta<strong>do</strong> por uma<br />

afiadíssima lâmina, ver o sangue escorrer em profusão, instintivamente levar a língua ao golpe<br />

para lambê-lo, e então sentir que o líqui<strong>do</strong> que de você se derrama tem o <strong>do</strong>ce sabor de sapoti.<br />

Assim me foi aquele momento. Divino e mortal. Eterno e frugal. Experimentei o encontro<br />

com o destampar de meu ser, em profunda reclusão.<br />

Tranquei a porta. Somente eu e a projeção de quem sempre tive saudade poderíamos estar<br />

ali. Queria abraçar o ser para quem eu fora cria<strong>do</strong> e em quem minha existência na Terra<br />

encontrava sua própria explicação.<br />

Derramei-me no sofá preto de minha sala. A vida saiu e entrou em mim duas vezes. Deus<br />

estava ali, e minha mais ambígua condição mortal também ali estava.<br />

Tive me<strong>do</strong> de nunca mais ser o mesmo, mas tive mais me<strong>do</strong> ainda de nunca mais deixar de<br />

poder viver aquilo.<br />

— O senhor está bem? — perguntou Cristina pelo interfone.

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