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Confissões do pastor - Caio Fábio

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com cuida<strong>do</strong>s que eu nem imaginava que alguém pudesse dispensar ao trato <strong>do</strong>s pêlos, e todas as<br />

suas roupas eram importadas. Celsinho amava o inglês, língua que falava com desenvoltura, e<br />

cantava to<strong>do</strong>s os grandes sucessos americanos, traduzin<strong>do</strong> para a gente as letras de todas as<br />

músicas. Além disso, ninguém na cidade dançava melhor <strong>do</strong> que ele. Soltava seu corpo ao ritmo<br />

das músicas com uma beleza, harmonia e leveza que faziam dele o mais cobiça<strong>do</strong> dançarino da<br />

cidade, corteja<strong>do</strong> pelas meninas e deseja<strong>do</strong> pelos homossexuais da alta sociedade.<br />

Minha alma casou-se com as daqueles <strong>do</strong>is rapazes. Eles me completavam como ninguém<br />

jamais conseguira no nível fraternal. Nós “colamos” e não fazíamos mais nada separa<strong>do</strong>s.<br />

Alipinho era o mais experiente e Celsinho o mais inocente. Eu estava no meio. Compartilhava as<br />

experiências sexuais de Pinho — como as vezes nós o chamávamos —, e as ansiedades filosóficas<br />

e psicológicas de Celsinho, sempre angustia<strong>do</strong>, sempre deprimi<strong>do</strong> e sempre em busca de algo<br />

que ele não sabia o que era.<br />

Alipinho conhecia tu<strong>do</strong> em relação ao sexo oposto. Já tinha ti<strong>do</strong> affairs com mulheres casadas,<br />

já desvirginara algumas garotinhas e, na ocasião, tinha um caso com uma aeromoça <strong>do</strong> Rio, dez<br />

anos mais velha que ele, que o visitava a cada 15 dias em Manaus. Ele se gabava de que o bom<br />

daquela relação era que Vera não se ressentia de que ele namorasse outras garotas, e as<br />

namoradas se sentiam orgulhosas de dividi-lo com uma mulher tão madura e bonita.<br />

Nos <strong>do</strong>is anos seguintes, eu vivi com aqueles amigos o perío<strong>do</strong> que eu considerava o mais<br />

belo de minha vida até ali. Pensava que nada poderia ser melhor. Com eles eu esquecia a pobreza<br />

e a caretice de papai e mamãe, e me sentia ama<strong>do</strong>, aceito e estimula<strong>do</strong>. Nós só andávamos juntos,<br />

e juntos fazíamos coisas que provocavam inveja nos demais rapazes de nossa geração. Eram<br />

passeios de lancha, corridas de carro, banhos de cachoeira e muita música. Além disso, apesar de<br />

Celsinho não ser nem um pouco chega<strong>do</strong> à maconha, eu e Pinho apertávamos basea<strong>do</strong>s quase<br />

to<strong>do</strong>s os dias e corríamos de moto <strong>do</strong>idões pelas estradas de Manaus, gritan<strong>do</strong> sozinhos e<br />

sentin<strong>do</strong> o vento frio da noite gelar nossos rostos pelas madrugadas.<br />

Em casa, os vínculos inexistiam. Meus pais estavam cada vez mais apavora<strong>do</strong>s com as notícias<br />

que circulavam a meu respeito. Os meses corriam e a angústia deles em relação a mim<br />

aumentava. Um dia papai tentou me conter. Disse que não podia mais agüentar tanta loucura e<br />

que iria me punir com uma surra de cinturão. Puxou o bicho da cintura e veio para cima de mim.<br />

Eu olhei para ele, fuzilan<strong>do</strong> de ódio, e disse: “Pode vir, mas venha prepara<strong>do</strong> para apanhar. O<br />

senhor acha que eu vou deixar o senhor levantar a mão pra me bater? Se quiser vir, venha, mas vai<br />

entrar no cacete.”<br />

Vi papai sentar na cadeira mais próxima, tonto com a minha declaração e com o olhar cheio de<br />

tanta <strong>do</strong>r. Saí corren<strong>do</strong> e prometi nunca mais voltar. Somente 15 dias depois meu primo João<br />

<strong>Fábio</strong> me encontrou na rua e me implorou para voltar. “Seu louco. Tu tá pira<strong>do</strong>? <strong>Caio</strong> <strong>Fábio</strong>, isso<br />

é safadeza. Ninguém faz o que cê tá fazen<strong>do</strong> com seus pais e fica sem punição. Teu pai morreu<br />

muitos anos nesses 15 dias. Ele é louco por você e tá morren<strong>do</strong> to<strong>do</strong> dia com as suas loucuras.<br />

Qué fazê loucura? Tu<strong>do</strong> bem. Mas faz numa boa”, ele disse, zanga<strong>do</strong> e preocupa<strong>do</strong>.<br />

Quan<strong>do</strong> entrei em casa, mamãe correu para me abraçar, junto com Aninha, Suely e Luiz.<br />

Papai ficou onde estava, senta<strong>do</strong> na cabeceira da mesa da pequenina sala. Lá fora chovia. Eram<br />

seis da tarde e já estava escuro. Ele apenas levantou os olhos cheios de lágrimas e olhou-me com<br />

ternura e misericórdia. Mas havia <strong>do</strong>r, muita <strong>do</strong>r no semblante dele. Não dissemos nada. Subi,<br />

peguei roupas limpas, tomei banho e saí. Foi a última vez que ele tentou barrar o meu caminho<br />

pela força. Daí em diante, ele e mamãe apenas se dedicariam à oração e ao jejum a meu favor.<br />

Andan<strong>do</strong> por toda parte, um dia eu vi umas garotas diferentes. Elas ficavam baten<strong>do</strong> papo na<br />

esquina da rua Visconde com a Duque de Caxias, perto da Escola Técnica. Uma era mais madura<br />

e mais calma. A outra, completamente agitada. A mais calminha, com cara de mais velha, era

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