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João.<br />
— Sabe o restaurante que tem no segun<strong>do</strong> andar <strong>do</strong> Santos Dumont, o 14 Bis? Lá é bom.<br />
Tem muita gente em volta, mas é tranqüilo. Pode ser lá — sugeri.<br />
— Tá bom. Mas o senhor tem que ir sozinho. E tem que ser às oito da manhã — disse João.<br />
— O senhor vai só, num vai? — perguntou para se certificar.<br />
— Não, é claro que não. Eu sempre an<strong>do</strong> com o meu motorista. A cidade é muito grande e<br />
ele me ajuda a tornar as coisas mais rápidas. Ele vai comigo, mas vai ficar no estacionamento, me<br />
esperan<strong>do</strong>.<br />
— Não, claro. Tá bom. Até amanhã — disse João.<br />
E começou a discussão para ver o que faríamos. Eu queria ir só, levan<strong>do</strong> apenas o coronel<br />
Santos, militar aposenta<strong>do</strong>, evangélico e meu amigo, para tomar o lugar <strong>do</strong> motorista. Antônio<br />
Carlos, <strong>pastor</strong> e uma espécie de filho na fé para mim, implorava que eu não fosse.<br />
— Pode ser perigoso — dizia ele, queren<strong>do</strong> me proteger.<br />
Jorge Antônio Barros, a essa altura envolvidíssimo na coisa toda, dizia que devíamos montar<br />
uma operação de <strong>do</strong>cumentação jornalística.<br />
— A gente vai com grava<strong>do</strong>r, câmera, um bom fotógrafo e <strong>do</strong>cumenta tu<strong>do</strong> de longe —<br />
sugeriu.<br />
— O senhor vai me desculpar, <strong>pastor</strong>, mas acho que a gente precisa chegar arrepian<strong>do</strong>. Isso<br />
aí é operação de espionagem. Esse cara num é evangélico queren<strong>do</strong> ajudar o senhor coisa<br />
nenhuma. É P2 (polícia secreta da PM) ou bandi<strong>do</strong>, queren<strong>do</strong> extorquir o senhor. Então, a gente<br />
tem que jogar pesa<strong>do</strong>. A gente prende os caras. Não se preocupe que eu cui<strong>do</strong> dessa parte —<br />
disse o coronel em meio a intensa gesticulação e uma enorme disposição para cumprir o que<br />
estava sugerin<strong>do</strong>.<br />
Já Ernan Caldeira de Andrade e o <strong>pastor</strong> Arioval<strong>do</strong> Ramos achavam que devíamos ficar no<br />
meio-termo. Um pouco de <strong>do</strong>cumentação jornalística e um pouco de prontidão policial, se fosse o<br />
caso de agirem numa emergência.<br />
De minha parte, não estava convenci<strong>do</strong> de que deveríamos trair João e seu amigo Renato.<br />
Minha consciência não deixava. Afinal, lá no fun<strong>do</strong>, queria dar algum crédito aos <strong>do</strong>is homens da<br />
fita, ainda que minha mente se negasse a crer que eles pudessem estar falan<strong>do</strong> a verdade.<br />
Depois de muito pensar, decidimos o que faríamos. Eu levaria um aparelho de escuta dentro<br />
<strong>do</strong> bolso de meu paletó, enquanto o coronel Santos e Ernan ficariam rondan<strong>do</strong> o lugar, sen<strong>do</strong> que<br />
Ernan chegaria mais ce<strong>do</strong> e ficaria toman<strong>do</strong> um café numa mesa <strong>do</strong> restaurante. Jorge Antônio e<br />
Arioval<strong>do</strong> Ramos pousariam de executivos da ponte aérea, mas sempre por perto.<br />
O primeiro problema aconteceu às sete horas. Ivo, meu motorista, já vinha dan<strong>do</strong> claros<br />
sinais de exaustão nervosa, mas naquele dia seu limite chegou ao fim. Com o pescoço<br />
endurecen<strong>do</strong> e a perna rígida de tensão, dez minutos antes das sete da manhã, em frente à sede<br />
da Vinde, em Niterói, Ivo pediu para ir tomar um cafezinho na esquina e só apareceu três meses<br />
depois. Assim, Ernan tomou o lugar de Ivo e foi de meu chofer particular. Os demais foram em<br />
carros separa<strong>do</strong>s, em intervalos de cinco minutos.<br />
Fui direto para o restaurante 14 Bis e descobri que estava fecha<strong>do</strong>. Então fui para o Café<br />
Palheta, aberto ao la<strong>do</strong>. Sentei e pedi um cafezinho: oito horas e nada; oito e meia e nada ainda.<br />
Pouco antes das nove fui até o balcão <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> andar e olhei para o hall da ponte aérea. Vi Jorge<br />
Antônio conversan<strong>do</strong> com Domingos Meireles, repórter da Rede Globo, e fiquei com me<strong>do</strong> de ser<br />
reconheci<strong>do</strong>.<br />
Voltei para o Café. Umas dez pessoas passaram e me reconheceram. Pararam e falaram<br />
comigo.<br />
“Com essa gente toda me reconhecen<strong>do</strong>, esse cara não vai me abordar nunca”, pensei