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Confissões do pastor - Caio Fábio

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Capítulo 21<br />

“Eu vim para Cartago e tu<strong>do</strong> ao meu re<strong>do</strong>r emanava um aroma de amores ilícitos...<br />

Eu procurei um objeto para o meu amor e me apaixonei. Apaixonei-me não por<br />

alguém, mas pelo amor. Eu odiava a segurança que caminhos livres de serpentes<br />

venenosas pudessem me dar.”<br />

Santo Agostinho, <strong>Confissões</strong><br />

Em apenas <strong>do</strong>is anos eu havia muda<strong>do</strong> tanto, que era como se dez anos tivessem se<br />

interposto entre meus pais e mim. E pior: era como se naquela década que se interpusera entre<br />

nós não nos tivéssemos visto ou fala<strong>do</strong>.<br />

Eu não sabia quem eles eram, mas eles também não tinham a menor idéia de quem eu havia<br />

me torna<strong>do</strong>. É quase sempre isso o que acontece com os pais. Assim, o que reinava entre nós era a<br />

lei <strong>do</strong> silêncio e da distância, pois desde o dia que eu dissera a papai que se quisesse me<br />

disciplinar viesse prepara<strong>do</strong> para apanhar, ele resolvera que, se eu ainda fosse “educável,<br />

redimível e alcançável”, isso, certamente, não seria por nenhum outro poder que não o <strong>do</strong> amor e<br />

o da amizade. Portanto, eles se mantiveram discretos e cordatos, limitan<strong>do</strong>-se a diminuir ao<br />

máximo a tensão que vazava de mim para eles todas as vezes que nos víamos.<br />

Chegar até papai e comunicar que eu estava in<strong>do</strong> para o Rio, sozinho, morar com amigos foi<br />

tão fácil quanto avisar que eu ficaria alguns dias sem dar as caras em casa. Ele ouviu, abaixou a<br />

cabeça, tentou ponderar alguma coisa, mas percebeu que seria absoluta perda de tempo, com o<br />

agravante de que poderia romper os últimos fiapos de vínculo que ainda me prendiam a eles.<br />

Perguntou apenas como eu iria, e eu respondi que o Zé estava me dan<strong>do</strong> a passagem, o que foi<br />

ótimo porque eu o poupei de precisar me dizer que ele não teria como financiar meu afastamento<br />

de casa e da cidade.<br />

No dia da viagem eu saí ce<strong>do</strong> com o Curió e fomos a um cabeleireiro. Meu cabelo estava<br />

compri<strong>do</strong>, abaixo <strong>do</strong> ombro, mas caía encaracola<strong>do</strong> sobre as minhas costas. Eu queria chegar no<br />

Rio com algo digno da loucura que estava acontecen<strong>do</strong> lá. Por isso, mandei fazer black power no<br />

pêlo.<br />

Quan<strong>do</strong> voltei para casa a fim de pegar uns poucos objetos que eu estava levan<strong>do</strong> — uma<br />

malinha e uma bolsa a tiracolo de couro cru —, mamãe olhou para mim e seus olhos encheram-se<br />

de lágrimas. Ela não disse nada, mas era como se perguntasse: “Como é que aquele garotinho <strong>do</strong><br />

gagau, da coqueluche, <strong>do</strong> amor pelo Tarzan, da casinha no quintal e da paixão pelos rachas de<br />

futebol, pôde ficar assim, tão distante e tão indiferente?”<br />

Eu apenas beijei Aninha, de sete anos, abracei Suely e Luiz, beijei mamãe na testa e disse:

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