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— Mas o que o “homem que tem poder” ofereceu a vocês? — perguntei.<br />
— Disse que passa a TV pro nosso nome, valida a compra de nossas rádios todas, facilita<br />
crédito bancário e outras coisas — falou sem hesitação.<br />
— Mas que outras coisas são essas? — indaguei.<br />
— Olha, “te darei tu<strong>do</strong>”, foi o que o homem disse. “Te darei tu<strong>do</strong>”, ouviu? — ele repetiu,<br />
sem nenhuma preocupação entre a semelhança daquela frase e uma outra que havia si<strong>do</strong> dita<br />
para Jesus <strong>do</strong>is mil anos antes por um príncipe cheio de poder.<br />
— E você nunca ouviu essa frase antes? — perguntei a Laprovita.<br />
— Qual? — ele indagou.<br />
— Essa última. “Te darei tu<strong>do</strong>”; nunca ouviu isso antes?<br />
— Não, onde?<br />
— Lá no deserto da Judéia. Jesus havia jejua<strong>do</strong> quarenta dias e noites e o diabo veio tentá-lo,<br />
lembra? Na terceira tentação, a <strong>do</strong> poder, Satanás disse isso a Ele: “Tu<strong>do</strong> eu te darei, se<br />
prostra<strong>do</strong> me a<strong>do</strong>rares”, lembra? — perguntei com provocação.<br />
— Olha, pra Jesus vale gol até de mão. Eu sei que o cara é mau. Tenho provas de que ele é<br />
tu<strong>do</strong> o que falam dele. E até pior. Mas nós precisamos dele agora. Depois tem a Record e as<br />
rádios. Nós precisamos disso tu<strong>do</strong> pra Jesus. Então eu faço qualquer coisa. Só não dá é pra botar o<br />
povo na rua. Eu já falei pro Mace<strong>do</strong>: “Não toma compromisso de botar o povo na rua porque o<br />
povo não vai.” Mas o resto a gente faz por amor ao reino de Deus — disse-me com convicção.<br />
Eu nunca achei que Laprovita e Mace<strong>do</strong> fossem pessoas mal-intencionadas. Ao contrário, a<br />
julgar pela maioria <strong>do</strong>s objetivos espirituais, eu poderia me aliar ao empreendimento deles sem<br />
susto. O problema eram os meios. O messianismo religioso de Mace<strong>do</strong> dava a ele e a seus<br />
lidera<strong>do</strong>s a sensação de que valia tu<strong>do</strong>, desde que fosse para Jesus. E com isso eu não podia<br />
concordar jamais. Não que eu fosse melhor <strong>do</strong> que eles ou de quem quer que fosse. Essa<br />
auto-exaltação jamais me atingira. Entretanto, algo mais profun<strong>do</strong>, dentro de mim, dizia-me que<br />
se aceitássemos os pressupostos éticos de Mace<strong>do</strong>, estaríamos colocan<strong>do</strong> a igreja de vez dentro da<br />
escuridão na qual ela se colocou a maior parte <strong>do</strong> tempo nesses últimos <strong>do</strong>is mil anos de história.<br />
E, para mim, aqueles desvios eram muito mais sérios <strong>do</strong> que se fossem apenas de natureza<br />
individual, eticamente falan<strong>do</strong>. Mas como eram práticas de natureza coletiva, meu temor crescia<br />
muitíssimo.<br />
— Olha, eu enten<strong>do</strong> a angústia de vocês. Com toda sinceridade. Mas pra Jesus não vale gol<br />
de mão, não. Gol de mão nunca é pra Jesus, é sempre contra Ele, mesmo que a gente diga que tá<br />
fazen<strong>do</strong> isso pra Ele. Desculpa, mas não dá pra aceitar essa coisa. Tenho pena da situação de<br />
vocês, mas não posso concordar. No que me diz respeito, você aumentou minha convicção pra<br />
continuar falan<strong>do</strong> a favor <strong>do</strong> impeachment. Além disso, o evangelho chegou até os nossos dias sem<br />
rede de televisão e rádios. A TV Record e as rádios são importantes, mas por elas não vale vender<br />
a alma. Vale? — perguntei angustia<strong>do</strong>.<br />
O clima ficou pesa<strong>do</strong>. Laprovita fez silêncio por uns dez longos segun<strong>do</strong>s, então recomeçou.<br />
— Eu tô preocupa<strong>do</strong> com essa votação. Cê já pensou se eu tiver que ir lá no microfone dizer<br />
pra toda a nação que sou contra o impeachment? Sabe, o que eu queria era que o voto fosse<br />
secreto. Pede a Deus pro voto ser secreto — confessou-me o deputa<strong>do</strong> federal <strong>do</strong> PMDB,<br />
também solicitan<strong>do</strong> minhas preces.<br />
— Laprovita, se você quiser a minha oração, vou pedir a Deus que revele a verdade. Serve? —<br />
indaguei.<br />
Ele não disse nada. Então orei ao telefone, pedin<strong>do</strong> a Deus que não deixasse que uma causa<br />
que se dizia ser <strong>do</strong> interesse <strong>do</strong> reino de Deus se tornasse mais importante <strong>do</strong> que os princípios<br />
<strong>do</strong> evangelho, e que o deputa<strong>do</strong> tivesse coragem de agir conforme a sua consciência. Alguns dias