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Confissões do pastor - Caio Fábio

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nesse nível da existência, o que menos importa é a média <strong>do</strong>s comportamentos aceitáveis. Neste<br />

caso, o que prevalece é a disposição <strong>do</strong> coração de enfrentar o mun<strong>do</strong> inteiro somente para não<br />

negar um sentimento ou uma intuição, seja em favor de alguém ou de uma simples idéia.<br />

<strong>Caio</strong> e Lacy continuaram em Canutama por mais <strong>do</strong>is anos. O tempo passava calmo, porém<br />

tedioso, até que em julho de 1954 Lacy ficou grávida de seu primeiro filho, razão pela qual, no<br />

início de 1955, resolveram voltar a Manaus.<br />

Eu nasci em 15 de março de 1955, na Santa Casa de Misericórdia de Manaus, às cinco horas<br />

da tarde de uma terça-feira.<br />

No mesmo dia jorrou petróleo em Nova Olinda, no rio Madeira, quase na sua confluência<br />

com o rio Amazonas, o que fez com que meu pai saísse <strong>do</strong> hospital gaban<strong>do</strong>-se de que na sua casa<br />

havia brota<strong>do</strong> algo igualmente precioso.<br />

Papai e mamãe já estavam decidi<strong>do</strong>s quanto ao nome que eu deveria ter. Tiveram dúvida, no<br />

início, se me chamariam Hugo ou <strong>Caio</strong>, mas como naquela época era comum dar o nome <strong>do</strong> pai<br />

ao primogênito, optaram por <strong>Caio</strong> mesmo. Além disso, eles gostavam <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> latino <strong>do</strong><br />

nome: bordão, caja<strong>do</strong> ou alegria. E, assim, me registraram com esse nome, que na infância me<br />

trouxe inúmeros problemas e que se tornou a razão de vários complexos que tive de vencer no<br />

início da a<strong>do</strong>lescência.<br />

Passa<strong>do</strong> o resguar<strong>do</strong> de mamãe, fomos juntos para Canutama. Lá, além de dedicar-se ao<br />

trabalho como servi<strong>do</strong>r da justiça, papai investiu tempo numa nova arte: a marcenaria. Começou<br />

a fazer com as próprias mãos o meu berço, bem como os demais móveis da casa. A mesmice e o<br />

tédio <strong>do</strong> lugar permitiam que meus pais se devotassem inteiramente a mim, o que eles<br />

precisariam fazer de qualquer forma, pois logo comecei a dar muito trabalho. Aos seis meses tive<br />

uma coqueluche tão forte, que eles pensaram que eu fosse morrer. Perdia o ar por longos<br />

minutos e ficava arroxea<strong>do</strong> a ponto de minha mãe, às vezes, pensar que eu não fosse voltar da<br />

crise. Por causa disso, e de uma nova posição que papai conquistara como subprocura<strong>do</strong>r geral <strong>do</strong><br />

esta<strong>do</strong>, eles decidiram voltar para Manaus de vez.<br />

A coqueluche se foi, mas a mania de chorar ficou. To<strong>do</strong>s que me conheceram nos primeiros<br />

anos de vida dizem que fui um grande chorão. Além disso, sofria de uma fome insaciável e,<br />

enquanto não era atendi<strong>do</strong> nos meus clamores por comida, não deixava ninguém em paz. E a<br />

gritaria começava muito ce<strong>do</strong>, às quatro da matina, quan<strong>do</strong> desferia os primeiros berros,<br />

machucan<strong>do</strong> os ouvi<strong>do</strong>s de to<strong>do</strong>s, até <strong>do</strong>s vizinhos, que às vezes vinham se oferecer para me<br />

segurar enquanto minha mãe fazia o mingau.<br />

— Gagau, gagau — eu gritava, desespera<strong>do</strong>, até me trazerem a papa das quatro da manhã.<br />

Em 1957, papai decidiu deixar o serviço público, aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong>, contra a opinião geral, a<br />

posição que conquistara no esta<strong>do</strong>, a fim de abrir seu próprio escritório de advocacia em Manaus.<br />

Sua pequena iniciativa vingou e três anos depois ele já começava a ser visto como um <strong>do</strong>s mais<br />

promissores nomes da profissão. Mas ele era ambicioso e não se contentou apenas com os ganhos<br />

que o exercício <strong>do</strong> advocacia lhe rendiam.<br />

Em 1958, criou a Colimpa S.A., uma sociedade de sete pessoas, mínimo permiti<strong>do</strong> pela lei<br />

para uma sociedade anônima naqueles dias. Ele e o político, que entraria para sempre para a<br />

história <strong>do</strong> Amazonas, Gilberto Mestrinho, eram os acionistas majoritários, ainda que,<br />

legalmente, o último fosse representa<strong>do</strong> por Antônio Lin<strong>do</strong>so, cujo irmão, José Lin<strong>do</strong>so, anos<br />

depois, durante a ditadura militar, viria a ser governa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>.<br />

A companhia explorava ouro na região de Parauari e seu Adriano, um negro de Barba<strong>do</strong>s que<br />

descobrira a jazida, era quem entrava na mata para buscar a preciosidade.<br />

Dois anos depois, em companhia de alguns amigos, papai abriria a Compaina, que explorava<br />

borracha e castanha na região <strong>do</strong> rio Novo Aripuanã. No mesmo ano, o então governa<strong>do</strong>r Gilberto

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