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amante de papai, pensei tu<strong>do</strong>, menos que ela fosse feia.<br />
Papai, perceben<strong>do</strong> que eu já sabia de tu<strong>do</strong>, resolveu abrir o jogo comigo. Disse que nos<br />
amava, que jamais nos deixaria e que tinha respeito por mamãe.<br />
— Ela é uma mulher muito boa e uma excelente mãe — disse ele.<br />
— Por que então você não gosta só dela? — resposta que eu não pude entender aos oito anos<br />
de idade.<br />
— É por que eu amo mais a outra.<br />
Ele foi logo dizen<strong>do</strong> que Simone tinha duas filhas, mas que nós não nos preocupássemos,<br />
pois os herdeiros de tu<strong>do</strong> o que ele tinha éramos nós e que, independente <strong>do</strong> que acontecesse, ele<br />
jamais sairia de casa.<br />
Nunca mais me esquecerei daquela conversa. Foi no banheiro de nossa casa; e eu estava em<br />
pé e ele senta<strong>do</strong> sobre o tampo <strong>do</strong> vaso sanitário. Quan<strong>do</strong> a porta se abriu e nós saímos, eu me<br />
senti como se meus ombros pesassem muito mais <strong>do</strong> que eu podia carregar. Olhei para Suely e<br />
Luiz <strong>Fábio</strong> como se o pai deles fosse eu e percebi que, se mamãe não tinha mari<strong>do</strong>, eu precisava<br />
ser para ela mais <strong>do</strong> que filho.<br />
Dali em diante, vi a relação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is se deteriorar a cada dia. Mamãe não chorava mais, apenas<br />
odiava. Parou de falar com ele e ambos me institucionalizaram “pombo-correio”. Eu levava<br />
pedi<strong>do</strong>s de dinheiro e trazia cash. Perguntava se ele precisava de alguma coisa e voltava com a<br />
demanda. Informava a ela que ele não voltaria para o fim de semana ou que passaria a noite fora.<br />
Não satisfeita com a coisa, mamãe, em desespero de causa, mesmo sem falar mal dele para a<br />
gente, passou a me levar com ela para passear pela cidade, a fim de ver se encontrava os <strong>do</strong>is<br />
juntos.<br />
Era fácil. Bastava ir até Adrianópolis, perto da antiga caixa-d’água, que, no mínimo, ela veria o<br />
carro dele estaciona<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> carro e da casa que ele dera ao jaburu. Houve umas poucas<br />
vezes em que vimos até mesmo os <strong>do</strong>is abraça<strong>do</strong>s no portão, olhan<strong>do</strong> as meninas Silvia e Alma<br />
brincarem na calçada. Percebi, então, que eles também formavam uma família, o que me feriu até<br />
onde era possível machucar e me fez entender um pouco da <strong>do</strong>r de mamãe. Ela não conseguia<br />
compartilhá-lo com a amante, e nem eu. Em mim não havia recursos interiores para aceitar<br />
dividir meu pai com aquelas estranhas, que agora também o tratavam como pai. Eu já não sabia<br />
mais se o amava ou se simplesmente o desprezava.<br />
Tu<strong>do</strong> perdeu o encanto. O quintal da vovó ficou cinza, as brincadeiras tornaram-se tristes, as<br />
idas ao sítio encheram-se de melancolia e as caçadas acabaram. Viagens para o interior, nunca<br />
mais, exceto por duas rápidas, que fizemos num avião Catalina, anfíbio.<br />
O que ficou foi um desejo imenso de chorar e uma saudade enorme de alguém maior.<br />
Eu não sabia viver sem pai e, por mais que ele ainda andasse entre nós, seu caminho<br />
emocional tornara-se estelarmente distante da gente. E, para completar, comecei a sentir me<strong>do</strong><br />
que mamãe viesse a buscar algum outro homem. Então, passei a vigiá-la.<br />
Eu percebia que, mesmo sentin<strong>do</strong> muita <strong>do</strong>r, mamãe às vezes ria descontraída quan<strong>do</strong><br />
conversava com um rapaz que trabalhava para papai e que de vez em quan<strong>do</strong> aparecia lá por casa.<br />
Minha malícia me dizia que uma mulher no esta<strong>do</strong> dela era presa fácil para qualquer homem,<br />
mesmo que fosse um emprega<strong>do</strong> de apenas 21 anos.<br />
Fiquei obcecadamente de olho aberto. Assim que o rapaz chegava lá em casa, eu parava tu<strong>do</strong> e<br />
fica ao la<strong>do</strong>, ou de longe, espreitan<strong>do</strong>. Eu não a vigiava para papai, mas para mim mesmo. Jamais a<br />
dividiria com um outro homem. Para mim, como menino, era inconcebível que qualquer outro<br />
homem, que não fosse papai, pudesse ter acesso à intimidade de minha mãe. Ela nunca ficou<br />
saben<strong>do</strong> disso, até hoje, enquanto escrevo estas páginas.<br />
O que salvava minha mãe de um mergulho total na amargura e no ódio era a fé. Ela não era