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Confissões do pastor - Caio Fábio

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nasceram e morreram longe <strong>do</strong> ambiente histórico e geográfico da pregação <strong>do</strong> evangelho. Ou seja:<br />

eu queria saber por que somente quem teve a oportunidade de ouvir uma determinada<br />

informação, como é o caso <strong>do</strong> evangelho, poderia ter a chance da salvação, de acor<strong>do</strong> com os<br />

ensinamentos da Igreja (e aqui neste ponto, católicos e protestantes pareciam estar quase em<br />

absoluta harmonia).<br />

Eu, entretanto, achava que aquela redução era pagã. Como é que nós podemos imaginar que<br />

um Deus como o nosso haveria de reduzir a possibilidade da salvação a coisas tão humanas,<br />

condicionadas por elementos de natureza econômica, social, política e religiosa? E se eu tivesse<br />

nasci<strong>do</strong> índio? E se meu chão de vida fosse a China, o Japão ou a Índia? E se minha existência<br />

histórica tivesse aconteci<strong>do</strong> há três mil anos, numa tribo pagã da Europa Nórdica? Enfim, até que<br />

ponto nós temos o direito de pretender determinar que a salvação de Deus acontece apenas<br />

quan<strong>do</strong> um missionário apaixona<strong>do</strong> atravessa os mares para levar a informação da redenção até os<br />

confins <strong>do</strong> planeta?<br />

Ou seja: na minha mente, não havia dúvida quanto ao fato de que o evangelho tinha de ser<br />

prega<strong>do</strong> a todas as criaturas humanas e eu estava comprometi<strong>do</strong> com isso até o âmago de meu<br />

ser. Meu conflito, entretanto, era sobre se Deus não poderia ser Deus para fora dessa ação<br />

missionária da Igreja e salvar a quem ele bem entendesse simplesmente por causa de sua<br />

liberdade para ser Deus.<br />

“Se for diferente”, eu pensava, “mesmo que nós digamos que a salvação é possível só por<br />

meio de Cristo, estamos condicionan<strong>do</strong> esse caminho a um outro meramente humano: a vontade<br />

da Igreja de ir falar de Deus aos homens. Nesse caso, quem deveria ir para o inferno não era o<br />

pagão aliena<strong>do</strong>, mas a Igreja desobediente, que não cumpriu sua missão no mun<strong>do</strong>.”<br />

Escrevi cerca de cem páginas e submeti-as à apreciação de papai.<br />

— É assim que eu creio. Cristo é o centro da salvação, não a Igreja — falou com os olhos<br />

cheios de lágrimas.<br />

Sem perceber, contu<strong>do</strong>, eu havia entra<strong>do</strong> num terreno muito sensível. A implicação de meus<br />

pensamentos naquela área era que a Igreja é agente de Deus neste mun<strong>do</strong> para pregar a salvação,<br />

mas não é a detentora da administração da graça divina por meio algum. Assim, inocentemente,<br />

eu estava arranhan<strong>do</strong> o assunto mais delica<strong>do</strong> da experiência eclesiástica: a ação divina fora da<br />

instituição religiosa, o que me tornava extremamente vulnerável.<br />

— Pera aí, <strong>Caio</strong>. Cê já pensou nas conseqüências? Os irmãos vão dizer que você é<br />

universalista na aplicação da salvação e teologicamente liberal. Cê tem certeza que quer correr o<br />

risco? — indagou meu amigo Ivan Moreira.<br />

Mas eu queria correr o risco. Afinal, eu jamais seria cristão exclusivamente por causa da<br />

Igreja. E quan<strong>do</strong> a graça de Cristo me encontrou, o que mais me estimulou foi o fato de tu<strong>do</strong> ser<br />

tão livre e tão divino, sem tutelas humanas.<br />

O couro cantou quan<strong>do</strong> minha tese foi examinada. Eu não tinha a menor idéia de que os meus<br />

irmãos <strong>pastor</strong>es iriam enroscar-se tanto naquela temática.<br />

— Isso tem cheiro de liberalismo. Cren<strong>do</strong> assim, quem precisa evangelizar? — indagou<br />

Cláudio.<br />

— O problema é que pensan<strong>do</strong> assim, você diminui o peso da pecaminosidade universal <strong>do</strong>s<br />

homens — falou Alfonso.<br />

— É por essa razão que não devemos ordenar quem não foi ao seminário. Falta teologia e<br />

<strong>do</strong>utrina à tese dele — concluiu Felipino.<br />

Foram <strong>do</strong>is dias inteiros de discussão. Durante aquele perío<strong>do</strong> fui defenden<strong>do</strong> cada uma das<br />

acusações levantadas. Em suma: insisti na afirmação de que só há salvação em Cristo, e que a<br />

Cruz de Jesus é o centro espiritual <strong>do</strong> universo. Todavia, a administração da graça divina, que

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