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Confissões do pastor - Caio Fábio

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apertadíssimos na cinturinha fina, boca larga e lábios carnu<strong>do</strong>s; enfim, bem dentro <strong>do</strong> modelo<br />

sedutor <strong>do</strong> fim da década de 50 e início <strong>do</strong>s anos 60. O nome dela era Simone.<br />

Eles se conheceram através de amigos comuns. A vivência amorosa dela já era profunda.<br />

Tinha duas filhas, de pais diferentes, Silvia, morena e mais calma, e Alma, loira e esfuziante como<br />

a mãe. Dizia-se que Simone já tivera vários outros namora<strong>do</strong>s, o que mamãe, depois que<br />

descobriu tu<strong>do</strong>, jurava ser verdade, dizen<strong>do</strong> que se baseava em fatos e em fofocas que vinham de<br />

muitas direções.<br />

O relacionamento deles logo passou <strong>do</strong> fortuito e descomprometi<strong>do</strong> para o aberto e<br />

apaixona<strong>do</strong>. Um homem como ele tinha uma dificuldade adicional para ser amante, o que, com<br />

certeza, não estava relaciona<strong>do</strong> à perna defeituosa ou à muleta, mas ao caráter. Isto porque, por<br />

mais que ele quisesse, não conseguia imaginar a si próprio in<strong>do</strong> à casa daquele pedaço de mulher<br />

somente para possuí-la. Ele se sentia muito mal fazen<strong>do</strong> assim.<br />

Meu pai achava que, já que aquilo estava acontecen<strong>do</strong>, embora fosse erra<strong>do</strong>, tinha que ser,<br />

então, o fruto <strong>do</strong> amor, não apenas da carne. E desesperar-se de amores por aquela mulher, com<br />

seus encantos, charmes, experiências e habilidades na arte da paixão, era tão natural quanto<br />

alguém dizer que comeu ambrosia e gostou.<br />

No princípio, tu<strong>do</strong> o que havia era desconfiança. Mamãe começou a querer saber por que ele<br />

estava se atrasan<strong>do</strong> sistematicamente para o jantar. Depois, passou a ficar intrigada com o ar de<br />

desconforto que ele demonstrava quan<strong>do</strong> ela ia ao seu escritório sem avisar. Por fim, concluiu<br />

que alguma coisa estava para lá de errada. Quan<strong>do</strong> o telefone tocava e ela atendia, ninguém falava<br />

<strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> e desligava, para em seguida tocar de novo, papai atender, e então mudar o<br />

semblante para uma expressão inchada, especialmente nos lábios, onde ele jamais conseguira<br />

deixar de revelar alguma coisa que lhe era desconfortável, mediante a “criação” de um biquinho.<br />

— Sim, sim, hum-hum, tá. Vou sim. Espere. Não. É. Então tá. Certo. Até logo — era mais ou<br />

menos como a coisa se mostrava para quem estava <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de cá, ouvin<strong>do</strong> aquelas conversas dele<br />

com “ninguém”.<br />

A confirmação veio apenas quan<strong>do</strong> ele não tinha mais como e nem por que deixar de admitir a<br />

verdade. Havia <strong>do</strong>r em seu olhar quan<strong>do</strong> reconheceu que já estava ten<strong>do</strong> uma “amante” — era<br />

assim que se dizia naqueles dias — há algum tempo.<br />

Mamãe queria saber o que toda mulher quer saber: “Por quê?” E mais: “É coisa <strong>do</strong> coração<br />

ou é só desejo carnal?” Ele respondeu com objetividade, como sempre. Era coisa da alma e da<br />

carne, era forte, e ele não tinha como parar. Entretanto, a razão de ter esta<strong>do</strong> aberto àquela<br />

situação, ele mesmo não sabia responder. Não sabia e achava que coisas assim não aconteciam,<br />

necessariamente, porque o relacionamento estivesse fracassa<strong>do</strong> com o cônjuge. Às vezes, eram<br />

apenas armadilhas <strong>do</strong> coração, sempre absolutamente ignorante de si mesmo e freqüentemente<br />

ansioso por amar de mo<strong>do</strong> enlouqueci<strong>do</strong>.<br />

Mas para minha mãe, aquilo era apenas conversa fiada e, mesmo que ela não conseguisse<br />

dizer dessa forma, achava que aquilo era pura sem-vergonhice.<br />

— Ainda bem que o Doutor <strong>Fábio</strong> já morreu para não ter que ver você desonrar o nome dele<br />

desse jeito! Mas a <strong>do</strong>na Zezé vai sofrer muito quan<strong>do</strong> souber — disse mamãe, acreditan<strong>do</strong>, no<br />

fun<strong>do</strong>, que a imagem quase onipresente <strong>do</strong> faleci<strong>do</strong> João <strong>Fábio</strong> ainda poderia funcionar como<br />

consciência familiar.<br />

Não adiantou, como jamais adiantaria. Papai estava disposto a tu<strong>do</strong> por aquele sentimento, ou<br />

melhor, quase tu<strong>do</strong>. Disse que dava a ela o direito de não querer mais ser sua mulher, mas que<br />

abrir mão <strong>do</strong>s filhos era algo que ele jamais negociaria. A saída <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> “desquite” estava,<br />

nesse caso, completamente descartada.<br />

Mamãe pediu para pensar. Conversou muito com Mãe Velhinha e ouviu suas ponderações.

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