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Tanto nos problemas de trabalho e de assistência da vida privada, como nas questões relativas à sexualidade e à afetividade, as mulheres, muito mais do que os homens, têm estado sujeitas ao paternalismo do Estado no que se refere à legislação protetora e, por isso mesmo, sujeitas ao controle social que o Estado estabeleceu nessas áreas, considera Tove Stang Dahl. 270 Quer no Estado de Direito, quer no Estado Providência, a mulher continua ocupando um papel marginal na gestão e nos órgãos de decisão, conseqüência da fragilidade de sua situação no mercado de trabalho e de seu forte enraizamento na família, podendo acrescentar-se, também aqui, o problema da inserção das mulheres no espaço público, cuja maior expressão está na restrita participação nos cargos e decisões políticas 271 . Ainda segundo a autora, no que se refere à inserção da mulher no mercado de trabalho, essa continua a ocupar cargos, sobretudo na assistência e na prestação de serviços e não na produção de bens, o que lhe confere um lugar de menor importância no espaço público. 270 DAHL. Op. cit., p. 9. 271 Segundo o Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD de 1999, o Brasil ocupa o septuagésimo nono lugar nos indicadores de desigualdade entre os sexos na participação política. No poder executivo, as mulheres ocupam 45, 53% dos cargos superiores de nível inicial. Sua participação cai para 13,24% nas 136 funções mais altas. Já no Judiciário, em 1998, dentre 451 juízes 152 eram mulheres (25,05%), embora elas somem metade das matrículas em escolas de Direito e representem 40% dos aprovados em concursos da Justiça Comum. Os melhores índices da participação da mulher no Judiciário são encontrados na Justiça do Trabalho, onde as mulheres ocupam 34% dos cargos de juiz. Ainda com relação à representação feminina nos espaços de decisão política, Ana Garcia e Enrique Gomaríz, assinalam que o mais preocupante da questão da mulher na política é pensa-la em termos projetivos. “No ano 2020 se haverá produzido uma dramática mudança socioeconômica que significa que as mulheres latinoamericanas e centro-americanas serão praticamente a metade da força laboral e, sem dúvida, se se mantiver a tendência no plano de sua participação nos órgãos legislativos, significaria o ridículo avanço de passar de 12% a 15% em cifras médias”. PRÁ, Jussara Reis. Espaço público, gênero e políticas feministas. In: TIBURI, Márcia; MENEZES, Magali de; EGGERT, Edla (Orgs). As mulheres e a filosofia. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2002, p. 206. 136
Uma reflexão nesse sentido evoca o processo de implantação da cidadania 272 em cenários como o da América Latina e do Brasil. A cidadania na região “é reflexo de um tipo de articulação entre o Estado e a sociedade que se sustenta e se reproduz, a cada nova conjuntura política, desde o período colonial”. 273 No caso do Brasil, a constituição do Estado e a cultura política gerada forjaram um sistema paternalista cuja marca maior é o autoritarismo e a centralização das decisões e ações, herança da colonização portuguesa transferida do modelo familiar para a esfera pública estatal. Disso resulta uma prática política e uma cidadania caracterizadas pela distribuição irracional do poder e por um clientelismo excluindo significativos segmentos populacionais dos espaços de poder e decisão, os quais refletem a configuração de uma sociedade desigual, excludente e elitista em que as demandas por direitos, eqüidade e cidadania encontram pouca ressonância. 272 “O conceito cidadania está desdobrado em quatro abordagens heurísticas: (a) A tradição comunitária (Michael Sandel e Charles Taylor) entende a cidadania como participação social a serviço do bem comum. A ênfase está na comunidade, na cultura e na ética compartilhada [...]; (b) a tradição republicana (Aristóteles, Maquiavel, Hanna Arendt, Richard Sennet, Benjamin Braber) compreende a cidadania como participação política. A ênfase está na participação e nas decisões políticas, valorizando a vida e o debate públicos com vistas à formação do sujeito político; (c) na tradição neoliberal (Friedrich Hayek, Robert Nozik), a cidadania é entendida, predominantemente, como status legal. Seu objetivo é tornar o mundo político tão limitado quanto possível, permitindo ao indivíduo ter o máximo de liberdade com o mínimo de intervenção estatal [...];(d) a tradição social-liberal (John Rawls, T.H. Marchall) privilegia os intitulamentos legais nos quais predominam os direitos e os deveres dos cidadãos (por exemplo: direito à liberdade de expressão, ao voto, a receber algum tipo de previdência, etc.). Em contrapartida, há deveres a cumprir (por exemplo: pagar impostos, servir ao exército, trabalhar ao invés de viver às expensas do Estado)”. CARVALHO, Maria Jane. Qual cidadania desejamos? In: TIBURI; MENEZES; EGGERT (Orgs). Op. cit., p. 221-222. Nenhum dos conceitos acima fala de forma explícita sobre a cidadania das mulheres, o que tem sido alvo de crítica das teorias feministas. Mesmo considerando as diferentes abordagens no interior dessas teorias, essas apresentam um certo consenso no que tange à cidadania da mulher, compreendendo tratar-se da extensão dos direitos políticos, civis e socias às mulheres de modo concreto. 273 PRÁ, Jussara Reis. Espaço público, gênero e políticas feministas. In: TIBURI; MENEZES; EGGERT. (Orgs). Op. cit., p. 206. 137
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