1. INTRODUÇÃOO InadimplementoAntecipa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Contratono Direito BrasileiroLuis Tomás Alves <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>Advoga<strong>do</strong> no RJ. Pós-Graduan<strong>do</strong> em Direito Empresarialna FGV.Po<strong>de</strong>-se dizer que as obrigações são tidas como “vínculos <strong>de</strong> curtaduração” 1 , pois nascem já com o intuito <strong>de</strong> se extinguirem pelo cumprimento.Essa característica transitória é confirmada pelo fato <strong>de</strong> que, mesmoquan<strong>do</strong> não caminham para o almeja<strong>do</strong> cumprimento, ainda assim seextinguirão, embora pelas vias transversas <strong>do</strong> inadimplemento. Enten<strong>de</strong>-se,assim, que: “O cumprimento da obrigação é a regra” e “o inadimplemento,a exceção” 2 .De acor<strong>do</strong> com AGOSTINHO ALVIM 3 , vista pela ótica <strong>do</strong> <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r, afigura <strong>do</strong> inadimplemento po<strong>de</strong> traduzir-se em inadimplemento absolutoou inadimplemento-mora. O primeiro ocorre quan<strong>do</strong> a obrigação não foicumprida, nem mais po<strong>de</strong>rá vir a ser, não subsistin<strong>do</strong> para o cre<strong>do</strong>r a possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> receber a prestação (ou, então, nos casos em que, ainda quepossível, a prestação se torna inútil ao cre<strong>do</strong>r, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o dispostono art. 395, parágrafo único, <strong>do</strong> Código Civil 4 ); o inadimplemento-mora,ocorre quan<strong>do</strong> a obrigação não foi cumprida no lugar, no tempo ou na formapactuada, subsistin<strong>do</strong>, porém, a possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> seu cumprimento.O inadimplemento antecipa<strong>do</strong> é figura <strong>de</strong> natureza jurídica controversa,cujas feições, por vezes, a aproximam <strong>do</strong> inadimplemento absoluto;por outras, a relacionam com a mora. Por outro la<strong>do</strong>, alguns autoressustentam que ele não se i<strong>de</strong>ntifica com nenhuma <strong>de</strong>ssas figuras, consti-1 ALMEIDA COSTA, Mário Júlio. Direito das Obrigações, Coimbra, Coimbra, 2000, p. 915; No entanto, o próprio autoraceita exceções a essa afirmativa, como é o caso, por exemplo, das obrigações <strong>de</strong> trato sucessivo.2 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências, 5ª ed., Saraiva, São Paulo, 1980, p.6.3 Op. cit., p. 7.4 “Parágrafo único. Se a prestação, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à mora, se tornar inútil ao cre<strong>do</strong>r, este po<strong>de</strong>rá enjeitá-la, e exigir a satisfaçãodas perdas e danos.”R. EMERJ, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out.-<strong>de</strong>z. 2011 145
tuin<strong>do</strong>-se como instituto jurídico autônomo, que não se caracteriza pelaquebra da obrigação principal, e sim pelo <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>vereslaterais 5 — que a <strong>do</strong>utrina chama <strong>de</strong> violação positiva <strong>do</strong> contrato 6 .O instituto é também conheci<strong>do</strong>, em terminologia mais precisa,como “inadimplemento anterior ao termo” 7 . No entanto, para melhorcompreen<strong>de</strong>r essa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ruptura antecipada <strong>do</strong> contrato – originária<strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento britânico e conhecida como “antecipatory breachof contract” 8 –, é preciso que se compreenda o verda<strong>de</strong>iro significa<strong>do</strong> <strong>de</strong>“termo” <strong>do</strong> contrato.Segun<strong>do</strong> ARAKEN DE ASSIS, o termo nada mais seria <strong>do</strong> que o momentono qual “o crédito passa a <strong>do</strong>tar-se <strong>de</strong> pretensão, permitin<strong>do</strong> aocre<strong>do</strong>r exigi-lo” 9 . Assim, parte-se da noção <strong>de</strong> que as obrigações são marcadaspor um lapso temporal e pela existência <strong>de</strong> uma época propícia aoseu cumprimento.Não obstante, muito embora as obrigações estejam normalmentesubordinadas a esse termo, em <strong>de</strong>terminadas situações específicas é possívelconsi<strong>de</strong>rar como antecipadamente inadimplida a obrigação <strong>do</strong> <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r.De acor<strong>do</strong> com a <strong>do</strong>utrina, duas seriam as principais hipóteses caracteriza<strong>do</strong>rasda referida antecipação, quais sejam: “(i) quan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>rmanifesta a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> não adimplir [também chamada <strong>de</strong> repúdio ou <strong>de</strong>recusa expressa]; e (ii) quan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r pratica atos que tornam seguramenteimpossível o adimplemento no momento contrata<strong>do</strong>” 10 . Ambas assituações serão estudadas ao longo <strong>de</strong>ste trabalho.No or<strong>de</strong>namento jurídico pátrio, não existe previsão expressa parao inadimplemento antecipa<strong>do</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que seu reconhecimento <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>não somente <strong>de</strong> uma interpretação extensiva da lei, mas também5 MARTINS, Raphael Manhães, "Inadimplemento antecipa<strong>do</strong>: perspectiva para sua aplicação no direito brasileiro" InRevista <strong>de</strong> Direito Priva<strong>do</strong>, Ano 8., n. 30, abr.-jun./2007, Revista <strong>do</strong>s Tribunais, São Paulo, 2007, p. 237; SAVI, Sérgio,"Inadimplemento das obrigações, mora e perdas e danos" In TEPEDINO, Gustavo (coord.), Obrigações: estu<strong>do</strong>s naperspectiva civil-constitucional, Renovar, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, 2005, p. 476.6 SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação positiva <strong>do</strong> contrato, Renovar, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, 2007, p. 2687 TERRA, Aline <strong>de</strong> M. Valver<strong>de</strong>. Inadimplemento Anterior ao Termo, Renovar, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, 2010, p. 122.8 DAVID, René, Les Contrats en Droit Anglais, LGDJ, Paris, 1973, p. 373-374; TREITEL, G. H., Remedies for breach ofcontract: a comparative account, Claren<strong>do</strong>n Press, Oxford, 1992, p. 379-380.9 Resolução <strong>do</strong> Contrato por Inadimplemento. 4ª ed. Revista <strong>do</strong>s Tribunais, São Paulo, 2004, p. 106.10 MOSCO, Luigi. La risoluzione <strong>de</strong>l contratto per ina<strong>de</strong>mpimento. Eugenio Jovene, Napoli, 1950, p. 35. Traduçãolivre. Trecho Original: “Vi sono cioè due casi in cui il creditore di una prestazione legata corrispettivamente conun’altra, può agire in risoluzione prima ancora che sia scaduto il termine; ciò significa che in quei due casi ilcomportamento <strong>de</strong>l <strong>de</strong>bitore equivale ad ina<strong>de</strong>mpimento, sebbene non sia ancora scaduto il termine. I due casi sihanno: 1) quan<strong>do</strong> il <strong>de</strong>bitore manifesti la volontà di non a<strong>de</strong>mpiere; 2) quan<strong>do</strong> il <strong>de</strong>bitore compia un atto che ren<strong>de</strong>sicuramente impossibile l’a<strong>de</strong>mpimento al momento <strong>de</strong>lla sca<strong>de</strong>nza.”146R. EMERJ, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out.-<strong>de</strong>z. 2011
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