2.2 O caso Hochster v. De La TourAnalisada a base estrutural <strong>do</strong> instituto, importante que se remetaaos julga<strong>do</strong>s que lhe <strong>de</strong>ram origem. Sen<strong>do</strong> assim, impõe-se remontar aocaso Hochster v. De la Tour, pois, mesmo não ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> o primeiro casoa versar sobre a antecipação <strong>do</strong> termo contratual, ele é ti<strong>do</strong> como leadingcase da matéria 17 , e seus reflexos são responsáveis pela construção dafigura da “anticipatory breach of contract”(ou “anticipatory repudiation”)no sistema <strong>de</strong> Common Law.Julga<strong>do</strong> em 1853 pelo Queen’s Bench da Inglaterra, o caso versousobre um contrato <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços, mediante o qual Hochsterteria si<strong>do</strong> contrata<strong>do</strong> mensageiro <strong>de</strong> De la Tour para acompanhá-lo emuma viagem que se iniciaria em 1º <strong>de</strong> junho daquele ano. Não obstante,antes mesmo <strong>do</strong> início da viagem, em 11 <strong>de</strong> maio, o autor recebeu umacomunicação por escrito <strong>do</strong> réu informan<strong>do</strong> que os seus serviços não maisseriam necessários. Mais ainda, foi-lhe comunica<strong>do</strong> que não seria atribuídaqualquer compensação pelo rompimento <strong>do</strong> contrato em questão.Diante disso, em 22 <strong>de</strong> maio – ou seja, 10 dias antes <strong>do</strong> termo inicial<strong>do</strong> contrato – o autor entrou com uma ação, alegan<strong>do</strong>, em síntese, que arecusa expressa <strong>do</strong> réu, por si só, caracterizaria o inadimplemento <strong>do</strong> contrato,não sen<strong>do</strong> necessário aguardar a data <strong>de</strong> execução da obrigação.Por outro la<strong>do</strong>, alegou De la Tour que, caso Hochster não aceitasse o seurepúdio prévio, seria ele obriga<strong>do</strong> a se colocar à sua disposição duranteesse tempo e aguardar até a data <strong>de</strong> execução <strong>do</strong> contrato, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>,inclusive, aceitar outros trabalhos durante esse perío<strong>do</strong>.Em <strong>de</strong>cisão final, o relator <strong>do</strong> caso, Lord Campbell, enten<strong>de</strong>u quenão seria necessário esperar o advento <strong>do</strong> termo contratual para se ajuizara ação e, muito menos, se colocar à disposição da outra parte, recusan<strong>do</strong>qualquer outro serviço, quan<strong>do</strong> já se sabia, <strong>de</strong> antemão, que ocontrato não se realizaria. De acor<strong>do</strong> com o relator, nessa hipótese, nãoseria justo obrigar o autor a consi<strong>de</strong>rar o contrato váli<strong>do</strong>, razão pela quallhe foi conferida a in<strong>de</strong>nização cabível pelo rompimento 18 .Esse julga<strong>do</strong> foi consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um marco para a teoria <strong>do</strong> inadimplemento,que, naquela época, ainda era muito influenciada pela visãotradicionalista das obrigações, originária <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> ROBERT JOSEPH17 ROWLEY, Keith A. A Brief History of Anticipatory Repudiation. Cincinatti Law Review, Cincinatti, 2001, p. 273-275.18 GILSON, Bernard. Inexécution et Résolution en Droit Anglais, LGDJ, Paris, 1969, p. 58-59.R. EMERJ, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out.-<strong>de</strong>z. 2011 149
POTHIER 19 - mais tar<strong>de</strong> consagra<strong>do</strong>s no art. 1.146 <strong>do</strong> Código Civil francês20 -, mediante a qual o advento <strong>do</strong> termo constitui e caracteriza a mora,e, quan<strong>do</strong> soma<strong>do</strong> à impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cumprimento, gera a figura <strong>do</strong>inadimplemento absoluto.Des<strong>de</strong> então, muito se ampliou essa noção <strong>de</strong> inadimplemento. Apartir <strong>do</strong> surgimento <strong>de</strong> novas situações jurídicas – tal como a retratadano caso cita<strong>do</strong> –, passou a ser necessária uma nova visão da relação obrigacional.Importante mencionar que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Hochster v. De la Tour, outrosjulga<strong>do</strong>s também contribuíram <strong>de</strong> maneira substancial para a construção,nos países <strong>do</strong> Common Law, <strong>do</strong> instituto <strong>do</strong> “anticipatory breachof contract”, tais como Frost v. Knight 21 , Equitable Trust Co. v. WesternPacific R. Co. 22 e Tenavision Inc. v. Neuman 23 .2.3 O Código Civil ItalianoO instituto <strong>do</strong> inadimplemento antecipa<strong>do</strong> veio a ser positiva<strong>do</strong> empaís integrante <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> Civil Law em 1942, com a entrada em vigor<strong>do</strong> novo Código Civil italiano – o que <strong>de</strong>monstra a influência que os prece<strong>de</strong>ntesanglo-saxões vieram adquirin<strong>do</strong> com o passar <strong>do</strong> tempo. O artigo1.219 <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> diploma passou a prever a constituição automática damora sempre que o <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r <strong>de</strong>clarar por escrito que não irá cumprir aobrigação:“Il <strong>de</strong>bitore è costituito in mora mediante intimazione orichiesta fatta per iscritto (1308; att. 160).19 Oeuvres <strong>de</strong> Pothier, volume I, Chanson, Paris, 1821, p. 192.20 “Art. 1146. Les <strong>do</strong>mmages-intérêts ne sont dus que lorsque le débiteur est en <strong>de</strong>meure <strong>de</strong> remplir son obligation,excepté néanmoins lorsque la chose que le débiteur s’était obligé <strong>de</strong> <strong>do</strong>nner ou <strong>de</strong> faire ne pouvait être <strong>do</strong>nnéeou faite que dans un certain temps qu’il a laissé passer.” FUZIER-HERMAN, Ed. Co<strong>de</strong> Civil Annoté, Tome Troisième,Soufflot, Paris, 1936, p. 242.21 "Inglaterra, 1872", in CHESHIRE, FIFOOT & FURMSTON’S, Law of Contract, 11ª Edição, Butterworths, Lon<strong>do</strong>n,1981, p. 484; Neste julga<strong>do</strong>, foi concedi<strong>do</strong> à Frost perdas e danos, pois Knight - que havia se comprometi<strong>do</strong> a casarsecom ela <strong>de</strong>pois da morte <strong>de</strong> seu pai - ainda durante vida <strong>de</strong> seu pai, <strong>de</strong>clarou que jamais a <strong>de</strong>sposaria. No caso,não foi necessário aguardar a morte <strong>do</strong> pai para conferir a referida in<strong>de</strong>nização.22 "Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, 1917", in AZULAY, Fortunato, Do Inadimplemento Antecipa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Contrato, Brasília/<strong>Rio</strong>, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong>Janeiro, 1977, p. 103; No caso, restou assenta<strong>do</strong> que “a lei [o Uniform Commercial Co<strong>de</strong>] sempre tem disposto que,quan<strong>do</strong> uma parte <strong>de</strong>liberadamente se incapacita ou torna impossível o perfazimento da sua prestação, o seu atoconstitui injúria à outra parte, que fica assim autorizada a propor ação por quebra <strong>do</strong> contrato”.23 "Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, 1978", in FARNSWORTH, E. Allan; YOUNG, William F.; SANGER, Carol. Contracts: cases and materials,6ª ed., Foundation Press, New York, 2001, p. 740; O caso foi importante para <strong>de</strong>finir <strong>de</strong> maneira mais precisaa recusa expressa <strong>do</strong> <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r, também chamada <strong>de</strong> repúdio: “De mo<strong>do</strong> a constituir um repúdio, a linguagem daparte <strong>de</strong>ve ser suficientemente segura, sen<strong>do</strong> razoavelmente interpretada <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a significar que a parte não querou não po<strong>de</strong> adimplir” (tradução livre).150R. EMERJ, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out.-<strong>de</strong>z. 2011
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